03/07/2008
Benefícios do INSS serão liberados sem comprovação
O governo vai enviar ao Congresso projeto de lei que inverte o ônus da prova na concessão de benefícios previdenciários. Dessa maneira, é o INSS que terá de provar que uma pessoa não tem direito a aposentar-se ou, por exemplo, não tem direito a receber salário-maternidade ou pensão por morte. Para viabilizar essa mudança, a Dataprev terá de certificar seu banco de dados e restaurar os registros de 1976 a 1994. A base para o deferimento será o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Essa é uma das propostas que não obtiveram consenso de representantes dos empresários, dos trabalhadores e do governo no Fórum Nacional da Previdência Social, mas serão defendidas pelo Executivo no Congresso.
O novo ministro da Previdência, José Pimentel, informa que outras propostas também vão mudar o perfil da Previdência durante sua gestão. Ele se refere a outro projeto que vai propor aos parlamentares - a separação das contabilidades rural e urbana no Regime Geral da Previdência Social (RGPS). O objetivo, segundo o ministro, é dar mais transparência às contas e deixar explícito que há forte subsídio na área rural, mas, na área urbana, a tendência é de superávit. |
Pimentel revela que está na Casa Civil o projeto de recriação da Superintendência de Previdência Complementar (Previc). A idéia é dar mais autonomia e estrutura para essa autarquia poder regular e fiscalizar melhor os 396 fundos de pensão fechados que têm de administrar patrimônio de R$ 457,6 bilhões. O texto já recebeu o sinal verde da Advocacia-Geral da União e do Ministério da Fazenda. |
Além desses três pontos, Pimentel deixou claro que a desoneração da folha de pagamento e o teto para o aumento das despesas de pessoal da União estão sem perspectiva de serem aprovados rapidamente. No caso da desoneração, disse que, sem determinar a substituição dos recursos que serão retirados da Previdência, nada vai andar. O ministro também afirmou que 98% das empresas industriais e comerciais já estão no regime do Simples Nacional e, portanto, já têm desoneração da folha. No comércio, essa fatia cai para 75%. |
No lado da disciplina fiscal do Estado, Pimentel informou que o projeto que limita o aumento das despesas da União com pessoal - ele era o relator - está com sua tramitação suspensa até que o governo conclua as negociações salariais com os funcionários públicos, o que deve ocorrer nesta semana. |
Nascido em Picos, no Piauí, o novo ministro da Previdência deixou seu quarto mandato de deputado federal, pelo Ceará, para substituir, em 11 de junho, o também petista Luiz Marinho. Antes da Câmara, foi diretor jurídico do sindicato dos bancários do Ceará. A seguir, os principais trechos da entrevista: |
Valor: Ministro, como e quando o sr. irá encaminhar as propostas discutidas no Fórum Nacional de Previdência Social? |
José Pimentel: Estamos terminando de formatar um projeto de lei que inverte o ônus da prova em benefício do contribuinte da Previdência. Quando ele pedir sua aposentadoria, não vai mais precisar levar documentos que comprovem esse direito. Para isso, o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) vai ser consultado. Temos de adaptar o banco de dados da Dataprev para que as aposentadorias por idade e por tempo de contribuição sejam processadas. Os registros de 1994 até hoje serão certificados. Numa segunda etapa, o período de 1976 a junho de 1994 terá recomposição de dados, mas muita coisa já está processada. O objetivo é encerrar os trabalhos em dezembro de 2009. |
Valor: Somente para esses dois benefícios? |
Pimentel: Também valerá para aposentadorias especiais, salário-família, salário-maternidade, auxílio-reclusão e pensão por morte. Auxílio-doença e auxílio acidente de trabalho continuarão como estão. Na terça-feira, deveremos enviar o projeto para os outros ministérios. |
Valor: Há outros projetos do forum aos quais o ministério está dando sequência? |
Pimentel: Posso citar a proposta, já enviada ao Congresso, que retira do âmbito da Previdência os certificados de entidade filantrópica. Outro projeto, cuja análise na Previdência está sendo concluída, separa as contabilidades rural e urbana no Regime Geral da Previdência Social (RGPS). É uma posição defendida pelo ministério há algum tempo para dar mais transparência aos números e deixar claro para a sociedade quais são as renúncias e as fontes de financiamento. A área rural é fortemente subsidiada, como acontece em muitos países. Na área urbana, a perspectiva é a de chegar ao superávit. Até o fim de julho, vamos concluir as análises na Previdência. |
Valor: O que vai mudar no âmbito da previdência complementar? |
Pimentel: Vamos propor a recriação da Superintendência Nacional da Previdência Complementar (Previc). Ela já foi criada por medida provisória, mas o tema não foi aprovado no Congresso. Agora, o texto do projeto já saiu da Previdência e recebeu o sinal verde do Ministério da Fazenda e da Advocacia-Geral da União (AGU). Desde 1º de junho ele está na Casa Civil, e trabalhamos para que seja levado rapidamente ao Legislativo. O objetivo é transformar a Secretaria de Previdência Complementar em autarquia com maior autonomia e estrutura. Reforçada, ela poderá fiscalizar e regular uma indústria de 369 fundos de pensão fechados, que administra ativos avaliados em R$ 457,6 bilhões. |
Valor: Como estão os julgamentos de recursos das entidades filantrópicas? |
Pimentel: Temos a obrigação de julgar cerca de 2 mil processos, mas não temos afinidade com o assunto. São os ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento Social que podem julgar essas entidades. Nem mesmo a arrecadação está conosco, é da Receita Federal do Brasil. O projeto que exclui a Previdência dessas análises está na Comissão de Educação da Câmara, relatado pelo deputado Gastão Vieira (PMDB-MA). |
Valor: O projeto de desoneração da folha de pagamento das empresas vai sair? |
Pimentel: Está no artigo 11 da proposta de emenda constitucional da reforma tributária. |
Valor: O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu esse avanço, mas os empresários ficaram desapontados quando perceberam que ela estava condicionada à aprovação da reforma tributária.... |
Pimentel: Mas 98% das empresas industriais e comerciais estão no Simples Nacional e já têm o benefício. Nos serviços, são 75%. Para todas essas, não há cobrança da contribuição patronal ao INSS. Ainda não resolvemos a questão da emenda 3, que tratava do trabalho de profissionais por meio de pessoa jurídica. Essa questão tem travado o processo e precisamos avançar. |
Valor: Mais uma questão sem perspectiva? |
Pimentel: Está parada. Precisamos dar mais rapidez. O que chama a atenção é que esses 98% ficaram com apenas 17% de todo o faturamento dos segmentos da indústria e comércio. Portanto, os 2% restantes que estão fora do Simples Nacional responderam por 83% do faturamento bruto. É a concentração de renda. |
Valor: Os que defendem a desoneração da folha afirmam que ela terá impacto positivo no emprego.... |
Pimentel: É verdade, e a Previdência ganha com a formalização do emprego. |
Valor: Qual a sua posição sobre a polêmica emenda 3? |
Pimentel: A maior dificuldade é das situações nas quais o empregador obriga o empregado a constituir uma pessoa jurídica. É um tema recorrente. Uma MP sobre o problema foi derrubada no fim de 2002. Depois, a MP 232 foi mal conduzida e enfrentou muita resistência. Na tramitação da lei que criou a Receita Federal do Brasil, veio a chamada emenda 3. |
Todos querem a desoneração da folha, mas precisamos da fonte financiadora para a Previdência "
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Valor: O tema perdeu importância? |
Pimentel: Estamos empenhados. A Comissão de Trabalho da Câmara está ouvindo representantes de todos os segmentos. No governo, a coordenação é do secretário da Receita, Jorge Rachid. A PEC da reforma tributária prevê a desoneração da folha, mas não estabelece de onde virão os recursos para custear a Previdência Social . Esse é o debate da comissão especial. Todos querem a desoneração da folha, mas precisamos da fonte financiadora para a Previdência. Da maneira como está, vai aumentar o déficit da Previdência e toda a sociedade trabalha no rumo oposto. A melhoria da gestão, o crescimento da economia e do emprego e a inclusão previdenciária vão tornar superavitária a área urbana no RGPS. O governo sabe que tem de desonerar e garantir, ao mesmo tempo, a sustentabilidade das contas públicas. |
Valor: Como está o projeto do governo, relatado pelo sr. na Câmara, que prevê limite para o aumento da folha de pagamento da União? |
Pimentel: O líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS), determinou a suspensão da tramitação até que terminem as negociações com o funcionalismo, que estão em curso. Caminha para uma definição nesta semana, por força da lei eleitoral. |
Valor: Qual sua opinião sobre os projetos do senador Paulo Paim (PT-RS) que ampliam benefícios e elevam os gastos da Previdência? |
Pimentel: A emenda constitucional 20 acabou com a idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição. Definiu 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem. Na época, o argumento mais forte era o de que a mudança era justa, porque permitia a quem começou a trabalhar mais cedo, aposentar-se mais cedo. Atualmente, a expectativa de vida para quem chega aos 50 anos é de 79,6 anos para o homem e 82,9 anos para a mulher. O censo encontrou duas aposentadas com 128 anos. Nas projeções para 2050, o planejamento da Previdência conta com idades mínimas de 82,7 anos para o homem e 87 anos para a mulher. Em 2050, serão 14% da população. Hoje, são 9% da população os que têm mais de 60 anos. |
Valor: No cenário de 2050, o que o governo faria com as propostas do senador Paim? |
Pimentel: É preciso um amplo debate na sociedade. Não basta discutir em ano eleitoral. No Fórum da Previdência, não houve consenso entre trabalhadores, empresários e governo. Precisamos fazer essa discussão para construir a melhor proposta. Previdência tem de ser baseada em um pacto entre gerações. |
Valor: Se o Congresso aprová-los, têm de ser vetados pelo presidente? |
Pimentel: O debate não está maduro na sociedade. Acredito que a tendência da Câmara é aprofundar essa discussão. Aposto no entendimento e no diálogo. O que fazemos hoje terá impacto forte daqui a 30 ou 50 anos. No formato dado pelo Senado, é impossível aprová-los, sob risco de cair por terra todo o esforço que estamos fazendo. |
Valor: Qual é a situação das medidas de inclusão previdenciária? |
Pimentel: Hoje, são 36,9 milhões de pessoas, contra 27 milhões em 2003. Dois grandes fatores impulsionaram esse crescimento. O primeiro é o aumento do emprego formal e o crescimento da economia. Em segundo lugar, vem o Simples Nacional, que entrou em vigor em julho do ano passado. No período do Simples Federal, de 1996 a 2007, tivemos 1,33 milhão de empresas inscritas. Nos dez meses contados de julho de 2007 a maio de 2008, foram 3,02 milhões de inscrições. |
Valor: Mas muita gente foi barrada... |
Pimentel: Cerca de 570 mil empreendedores pediram para entrar no sistema e foram rejeitados. A maior causa foi a falta de alvará de funcionamento, negado pelas prefeituras. Na maioria desses casos, o alvará fica condicionado à regularização do imóvel utilizado. Precisamos mudar a lei do Simples Nacional para dar um alvará provisório de dois anos. O PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] tem recursos para regularizar essas áreas de ocupação. |
Valor: Como surgiu a idéia do alvará provisório? |
Pimentel: Apresentamos um substitutivo no projeto de reforma do Simples Nacional para dar maior flexibilidade. Além disso, queremos criar a figura do microempreendedor individual (MEI), integrando à Previdência feirantes, pipoqueiros, camelôs, sacoleiros, borracheiros, manicures etc. São pessoas cuja receita bruta anual não passa de R$ 36 mil. É o grupo daquele projeto chamado pré-empresa. |
Valor: Como está a tramitação desse projeto? |
Pimentel: Fui o relator e, agora, o presidente da Câmara deve designar o deputado Carlos Melles (DEM-MG). Ele presidiu a comissão especial do Congresso que criou o Simples Nacional. Para esse grupo de 570 mil profissionais que não conseguiram entrar na Previdência, o alvará provisório é a única solução. Veja o absurdo da situação. Um empresário pede ao Estado para contribuir e recebe como resposta que isso não é possível. Formalizar esse pessoal significa saber onde estão e o que fazem. |
Valor: Quantos são esses microempreendedores individuais? |
Pimentel: Dados preliminares indicam que as prefeituras já cadastraram cerca de 4 milhões de pessoas. Esse registro foi feito pelos municípios para terem uma mínima organização deles em feiras e nos espaços coletivos. Tornando-se pessoa jurídica, eles ficarão dispensados de contabilidade e não pagarão guia de recolhimento de tributos. |
Valor: É um regime mais simplificado que o das microempresas? |
Pimentel: Sim. O Código Civil não trata da pré-empresa e seria complicado reformá-lo. Optamos pela criação do microempreendedor individual. A cultura do empreendedorismo é muito forte na academia, nos meios de comunicação e no Congresso. |
Valor: Quais serão as facilidades? |
Pimentel: Um projeto de lei complementar vai estabelecer que eles não pagarão sete tributos: Imposto de Renda da Pessoa Jurídica , PIS/Pasep, Cofins, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, IPI, contribuição previdenciária patronal e ICMS. Para o INSS, essa pessoa jurídica pagará R$ 50 por mês. A pessoa física do microempreendedor pagará aquela modalidade simplificada de 11% sobre o salário mínimo, o que dará direito a aposentadorias por idade, auxílio-doença, auxílio-acidente de trabalho, salário-maternidade, salário-família, auxílio-reclusão e pensão por morte. É o mesmo que está previsto no Simples Nacional. |
Valor: Serão dispensados de emitir nota fiscal? |
Pimentel: Não. Isso é importante para combater a pirataria e a sonegação. O projeto de lei está pronto, com tramitação de urgência. O líder Fontana disse que pretende votá-lo em 9 de julho. |