28/08/2008
Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro "A Real História do Real". Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras. E-mail: mclaraprado@ig.com.br
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Boas e más notícias no front fiscal
Maria Clara R. M. do Prado A semana começou com boas notícias. Primeiro, a decisão do Poder Executivo de recolher a proposta de criação do Ministério da Pesca trouxe alívio geral. Temia-se que a iniciativa, se levada adiante, pudesse encorajar outras tentativas do gênero e resultar na criação de entidades semelhantes, como o Ministério das Aves, o Ministério dos Répteis, dos Mamíferos, enfim... Portanto, nem peixes, nem aves. Mesmo porque esses seres já são devidamente atendidos pelo Ministério da Agricultura. |
Também a decisão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de passar a dar ênfase ao critério nominal das necessidades de financiamento do setor público é motivo de comemoração. Há muito tempo esta coluna tem defendido o critério nominal como o parâmetro mais importante de medição das contas públicas do país, como, aliás, acontece em todo o mundo. Aquele critério considera todas as contas do governo e mede o financiamento tomado para cobrir o déficit em bases nominais, sem camuflar o efeito da inflação e sem ignorar o efeito da despesa com juros. |
Mais importante ainda é o compromisso manifesto do ministro Mantega de chegar a 2010 - dentro de um ano e meio, portanto - com superávit nominal financeiro nas contas das três esferas de poder, nos três níveis da administração federal. Se conseguir, terá marcado um tento e tanto. |
Afinal, o resultado nominal do setor público nunca foi uma meta de governo no Brasil, muito embora seja crucial para a estabilidade e para o crescimento econômico. Deveria vir antes da meta de inflação, pois a variação do IPCA depende em boa parte do tipo de pressão que a demanda do setor público exerce sobre a economia. Ou seja, do tamanho dos gastos com salários e outras despesas correntes. |
Houve épocas em que o déficit nominal esteve completamente fora de controle. Em 1998, atingiu 7,46% do PIB. Foi o ano da crise cambial da Rússia, com repercussões sérias no Brasil, culminando com a maxidesvalorização de janeiro de 1999, ano em que o déficit nominal fechou em 5,78% do PIB e os juros pagos pelo governo representaram 9% do PIB. |
Em 2002, ano em que Lula foi eleito presidente à revelia do mercado, que puxou a taxa de câmbio para a estratosfera, o déficit nominal atingiu 4,58% do PIB. No ano seguinte cresceu um pouco mais, para 5,08% do PIB, com o peso dos juros de novo batendo na marca dos 9% do PIB. De lá para cá, o déficit nominal tem oscilado em torno de 2% a 3% do PIB. |
À semelhança de todos os demais tipos de despesa pública, as feitas com juros também são cobertas com dinheiro do contribuinte |
Segundo o boletim fiscal do Banco Central divulgado ontem, o resultado nominal no mês de julho deste ano foi deficitário em R$ 6,7 bilhões. No acumulado dos doze meses, até julho, o déficit nominal atingiu R$ 53,1 bilhões (1,94% do PIB). |
A dívida mobiliária do governo federal continua crescendo e, é claro, o aumento dos juros tem aí um peso importante. Há compensações. Entre elas, a redução do financiamento externo com impacto fiscal positivo sempre que a moeda nacional se valoriza face ao dólar. Outra fonte de financiamento é a base monetária, emissão primária de moeda. Ao longo dos anos, esta tem ajudado a cobrir os gastos públicos federais a custo zero. O BC simplesmente emite moeda para atender à demanda no mercado e isso ajuda a "financiar" parte das despesas do governo. Sempre que o BC sobe os juros, a demanda tende a se contrair, contribuindo para o enxugamento monetário. O processo também tem a ver com o maior ou menor fluxo de entrada/ saída de divisas estrangeiras do país. |
Portanto, o aumento da taxa Selic (juro básico do BC) tem o efeito de ampliar o endividamento público porque atrai mais aplicadores para os papéis do Tesouro Nacional. É uma forma de manter dentro do país os dólares dos investidores estrangeiros que já não se sentem tão atraídos (ou tão confiantes) na evolução dos rendimentos que podem obter no mercado de ações, dentro ou fora do país. |
Muita gente no mercado tem óbvia preferência pelo critério primário de apresentação das contas públicas. Ao desconsiderar o impacto dos juros na dívida pública, acaba-se por colocar em segundo plano uma importante fonte de gastos. À semelhança de todos os demais tipos de despesa pública, as feitas com juros também são cobertas com dinheiro do contribuinte: no presente, quando se trata de resgate de títulos emitidos no passado, ou no futuro, quando se trata da rolagem de dívida a vencer mais à frente. Minimizar os efeitos desses gastos no consolidado do setor público não é prática saudável pois, no frigir dos ovos, está tudo na mesma cesta. |
Isto posto, não é demais lembrar que o tamanho da dívida pública é o reflexo da maior ou menor necessidade de financiamento do setor público. Revela-se tanto maior quanto menor for a capacidade da receita fiscal em cobrir os gastos do governo. Mesmo que a carga tributária cresça a níveis considerados astronômicos, ainda assim o governo terá de ir a mercado captar dinheiro do público através da emissão de títulos sempre que os gastos do governo estiverem evoluindo a passos ainda mais largos do que a arrecadação fiscal. |
Visto por esta ótica, não pode restar dúvida de que o tamanho da dívida mobiliária depende mais da taxa de expansão das despesas do governo do que do impacto dos juros. |
Neste ponto, chega-se à notícia ruim no campo fiscal, justamente aquela que aponta para a decisão do governo de ampliar as contratações federais, como se já não houvesse gente demais na Esplanada. Pelos dados oficiais, o Poder Executivo empregava em fins de 2007 um total de 1,3 milhão de pessoas, implicando em gastos de cerca de R$ 42 bilhões com servidores da ativa e de R$ 45 bilhões com inativos, entre civis e militares. |
Quando somados com as despesas com ativos e inativos dos poderes Legislativo e Judiciário, os gastos federais com pessoal chegou a R$ 127 bilhões no final do ano passado, distribuídos em um total de cerca de dois milhões de pessoas. Essa é uma conta que tem de encolher e não se expandir, de modo a que também o estoque da dívida pública possa ser reduzido e o impacto dos encargos da dívida, contido. Tudo isso ficará bem mais claro quando as contas públicas passarem a tomar como referência o conceito nominal da medida do financiamento do governo. |
Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro "A Real História do Real". Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras. E-mail: mclaraprado@ig.com.br
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