A FCPA americana e as empresas brasileiras
Diante de recentes notícias e investigações de violações à "Foreign Corrupt Practices Act" - lei dos Estados Unidos conhecida pela sigla FCPA - por multinacionais de grande porte, surgem questões ligadas à sua aplicabilidade a empresas estrangeiras, como as brasileiras, e às principais exigências e sujeições do normativo. Grandes multinacionais americanas e fundos de investimento têm mostrado interesse em fazer com que seus dispositivos sejam observados pelas empresas brasileiras nas quais detêm participação societária, gerando diversos questionamentos e dúvidas por parte de empresários nacionais.
A FCPA é uma lei federal americana sobre corrupção estrangeira que, de forma geral, visa coibir o pagamento, oferta ou promessa de pagamento de quantia monetária ou qualquer bem de valor a funcionários públicos, candidatos a cargos governamentais ou partidos políticos estrangeiros com o fim de obter uma vantagem indevida, obter ou manter negócios ou algum tratamento diferencial favorável.
A referida lei é aplicável tanto a empresas que emitem valores mobiliários registrados na Securities and Exchange Commission (SEC) - a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) americana - ou aquelas obrigadas ao arquivamento periódico de relatórios ("issuers"), nos termos do "Securities Exchange Act of 1934", quanto a indivíduos americanos (cidadãos, nacionais ou residentes nos Estados Unidos), ou a qualquer empresa, associação, organização ou sociedade organizada conforme as leis americanas ou em território americano ("domestic concerns"). Adicionalmente, a FCPA não só se aplica às empresas como a qualquer indivíduo, empregado, administrador, agente, representante ou sócio que atue em nome da empresa, bem como qualquer desses que ordene, autorize ou auxilie um terceiro a violá-la.
Assim, caso um "issuer" ou "domestic concern" faça algum pagamento a um oficial brasileiro considerado ilegal pela FCPA, ele será responsabilizado pelo pagamento, mesmo tendo sido realizado fora dos Estados Unidos, por ter utilizado meios americanos (correios, telefonemas, viagens etc.). Serão também de responsabilidade de tais pessoas os pagamentos realizados por empregados ou agentes que operam completamente fora dos Estados Unidos atuam em seu nome.
Além desses, empresas e nacionais brasileiros estão sujeitos à FCPA a partir de 1998 se efetuarem, diretamente ou por meio de intermediários, um pagamento indevido em território americano. Empresas "guarda-chuva" americanas merecem atenção, pois são responsáveis por atos de suas subsidiárias brasileiras enquanto tenham autorizado, dirigido ou controlado suas atividades, assim como "domestic concerns" que sejam empregados ou ajam em proveito destas subsidiárias estrangeiras.
Como exceção à proibição de práticas de corrupção encontra-se o pagamento permitido pela legislação local feito com o intuito de que o oficial ou autoridade pratique atos rotineiros regulares, tais como permissões, licenças, certidões e/ou outros documentos oficiais, fornecimento de água e energia, inspeções ligadas ao trânsito de bens pelo país etc. Tais pagamentos devem ser feitos a fim de que os funcionários pratiquem atos que devem ser regularmente praticados, diferentemente de qualquer ação discricionária, como a aprovação da realização de um negócio ou a continuidade dele. Vale lembrar que a simples alegação de desconhecimento da transação ilegal pelos administradores da empresa infratora não os exime de responsabilidade.
A FCPA, além da proibição de pagamentos de propina, exige que as companhias mantenham controles contábeis internos razoáveis e registros detalhados e verdadeiros relativos às transações realizadas e seus bens. A lei ainda solicita que as companhias pratiquem esforços para garantir que as empresas nas quais as companhias americanas ou suas subsidiárias detenham 50% ou menos de poder de voto cumpram com as disposições contábeis da FCPA. Nesse sentido, o esforço e a influência para garantir que a empresa alvo esteja em conformidade com as determinações da FCPA quanto aos livros e registros contábeis estão fortemente relacionados ao nível de controle que se possui na referida empresa.
As sanções aplicadas em caso de descumprimento da FCPA às empresas americanas podem ser civis, criminais e/ou administrativas. As penas criminais podem variar entre multas de até US$ 2 milhões para empresas e até US$ 100 mil para pessoas físicas e prisão de até cinco anos, sendo que as multas podem ser elevadas até duas vezes o benefício ilegalmente obtido. As penas civis englobam multas e, como sanções governamentais, a empresa ou pessoa pode ser banida de fazer negócios com o governo federal americano, proibida de obter licenças de exportação e/ou suspensa do mercado de valores mobiliários pela SEC.
Diante da possibilidade de graves punições, nota-se a preocupação por parte das empresas sujeitas diretamente à FCPA com relação às suas subsidiárias fora dos Estados Unidos, buscando com que tais subsidiárias estejam em conformidade com os requisitos da FCPA relativos a livros e registros, além de práticas anticorrupção.
Como medidas que visam o cumprimento da FCPA, sugere-se que as empresas brasileiras adotem programas para o cumprimento e a adoção da lei americana, mesmo que tal medida não seja obrigatória pela legislação brasileira, de forma a informar os empregados e administradores de suas exigências e evitar penalizações por parte de empresas estrangeiras investidoras. Políticas internas enfatizando o comprometimento com a FCPA, discussões de suas principais proibições com os empregados, avaliação de risco das localidades nas quais a empresa possui atividades e a criação de um comitê especializado são também algumas das formas de esclarecer seus termos e evitar mal estares com os sócios estrangeiros.
Além disso, processos de due diligence e de auditoria externa, programas de treinamento, termos de adesão de empregados, inclusão de disposições contratuais de observância à FCPA em contratos com funcionários, representantes e agentes, bem como o controle interno e o monitoramento cuidadoso das atividades da empresa e de suas subsidiárias, mostram-se práticas valiosas para a proteção aos interesses de empresas sujeitas ao cumprimento da FCPA.
Adriana Cortese Julião é advogada do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados