Copom ajuda se EUA não atrapalharem
Daniele Camba
É inegável que os primeiros passos do governo de Barack Obama são os fatores mais importantes para definir o movimento dos mercados no curto prazo. No entanto, no caso do Brasil, os ativos hoje terão de se adaptar à decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a taxa de juros. Obviamente que a primeira reação será quanto ao corte em si. Até ontem, antes de sair o resultado da reunião, analistas e investidores torciam para que o corte estivesse mais para um ponto percentual do que para 0,75, o que de fato ocorreu. Não que 0,75 não fosse bom. Inclusive é bastante positivo, considerando o viés conservador do Banco Central. A questão é que um corte desta magnitude já estava embutida nos preços, portanto, faria muito pouco verão no mercado. Já a redução de um ponto parece suficiente para animar os investidores.
Por esse motivo, o palpite é que a Bovespa hoje reflita positivamente toda a audácia demonstrada pelo Banco Central. Isso, claro, se os Estados Unidos fizerem o favor de não atrapalhar. Atualmente, qualquer nuvenzinha minimamente negra vinda de lá acaba com a tentativa de se ter um céu azul por aqui. Ontem, a bolsa americana mais uma vez influenciou o pregão local, só que para o bem. O mercado aprovou o primeiro dia do governo Obama e o Índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, fechou em alta de 3,51%. O Índice Bovespa foi no mesmo embalo, encerrando o dia com valorização de 3,41%, aos 38.542 pontos.
Historicamente juros menores são positivos para a bolsa e por dois motivos principais. Primeiro pelo lado real, uma vez que reaquece a economia e ajuda as empresas a conseguirem recursos pagando juros bem mais palatáveis. A outra consequência ocorre no próprio mercado financeiro: com uma taxa Selic menor, o investidor se sente muito mais tentado a abandonar o porto seguro das aplicações de renda fixa e alçar vôos mais arriscados na bolsa de valores. Nos últimos dias, algumas corretoras perceberam um fluxo maior de recursos brasileiros entrando na Bovespa. Há quem acredite que uma parte do movimento pode ser atribuída à expectativa de afrouxamento monetário.
De bate e pronto, o que se espera é que as ações das empresas mais ligadas ao crescimento econômico, como varejo e consumo, sejam as primeiras a sentir os reflexos positivos da queda da Selic. Num segundo momento, deve ser a vez das companhias com grandes dívidas em reais. A Oi é um bom exemplo, cita o gestor de uma administradora de recursos independente.
Não é apenas a decisão arrojada de ontem do governo que pode ajudar a definir o rumo da bolsa. Na visão do gestor, o mais importante para o mercado é a sinalização de como será o processo de afrouxamento monetário até o fim do ano. "O corte de um ponto influencia positivamente mais no humor das pessoas do que nos fundamentos da economia", diz o gestor. "A grande questão agora é perceber se o governo irá atender as expectativas sobre as demais reuniões do Copom em 2009." A grande maioria espera que a Selic chegue ao fim de dezembro três pontos percentuais abaixo do que começou o ano, ou seja, em 10,75% ao ano. Se o Banco Central frustrar tal projeção, o mercado sem dúvida irá sofrer à medida que analistas e investidores forem se dando conta disso.
E dá-lhe queda!
O mercado mostrou ontem que não gostou nada dos moldes da operação de compra dos 28% da Aracruz pela Votorantim Celulose e Papel (VCP). As preferenciais (PN, sem direito a voto) série B da Aracruz caíram 12,76%, a maior queda dentro do Ibovespa. Já as PN da VCP se desvalorizaram 11,17%, a segunda maior baixa dentro do índice. Entre as mesas de operações, o que predominava era o descontentamento principalmente com a relação de troca entre as ações da Aracruz pelas da VCP, o que significa perdas aos minoritários preferencialistas da Aracruz. Em relatório divulgado ontem, a Ativa Corretora afirma que os termos do negócio é negativo tanto aos acionistas da VCP quanto para os donos de PN da Aracruz. Além dos controladores, os minoritários detentores de ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Aracruz serão os únicos a levar a melhor, pelo direito de receberem 80% do valor pago aos controladores - o "tag along". Ontem, as ON da companhia se valorizaram 8,6%.
Além do mercado externo, as ações da Petrobras empurraram a Bovespa para cima ontem. As ON da estatal subiram 5,68% e as PN, 5,20%. Uma alta dessas ajuda em cheio o Ibovespa, já que os dois papéis juntos têm a maior participação dentro do índice. O mercado aguarda ansiosamente a divulgação do plano de investimento da companhia, marcado para amanhã. A expectativa é de que os investimentos sejam revistos para baixo, coerente com o cenário de desaceleração.
Daniele Camba é repórter de Investimentos
E-mail: daniele.camba@valor.com.br