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07/05/2009

As normas da Fazenda para a carta de fiança

Luiz Roberto Peroba e Rodrigo Martone

No dia 2 de abril deste ano, foi publicada a Portaria nº644, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que estabelece os critérios e as condições para que uma carta de fiança bancária seja aceita como garantia de débitos inscritos em dívida ativa, tanto em execuções fiscais quanto em parcelamentos administrativos.

Em linhas gerais, a mencionada portaria exige que as fianças bancárias sejam prestadas por tempo indeterminado, atualizadas pela taxa referencial Selic, e com renúncia expressa aos artigos 827 e 835, ambos do Código Civil, que permitem ao fiador exigir que os bens do devedor sejam primeiramente executados para a quitação da dívida, bem como se exonerar dos termos da fiança dentro do prazo de 60 dias.

A portaria, institui, ainda, mais um obstáculo ao oferecimento de fiança bancária em execuções fiscais, na medida em que menciona que a fiança somente poderá ser aceita se a sua apresentação ocorrer antes da realização de depósito ou de decisão judicial que determine a penhora de dinheiro.

A finalidade clara da portaria é aumentar a arrecadação tributária, pois, enquanto não aceita a garantia pelo juiz, o contribuinte fica impedido de apresentar defesa no processo - denominada "embargos à execução" - e obter certidão de regularidade fiscal, documento atualmente indispensável para a consecução de atividades empresariais, realização de várias operações societárias, participação em licitações e recebimento de pagamentos por serviços prestados ao poder público.

Criando esses empecilhos, a PGFN pretende que o contribuinte pague o suposto débito antes mesmo de eventual discussão judicial ou, pelo menos, faça depósito em dinheiro que, pelas atuais regras da Lei 9.703, de 1998, já é automaticamente transferido para a conta única do tesouro nacional. Com a edição da Portaria nº644, portanto, a PGFN quer evitar qualquer outro tipo de garantia que não possa ser registrada imediata e diretamente na conta do tesouro nacional.

Neste caso, sem qualquer base em lei, a PGFN tenta oficializar, por meio de portaria, ilegalidades que, na prática, já vinham sendo cometidas. Entretanto, conforme o entendimento pacífico dos maiores doutrinadores brasileiros e dos nossos tribunais superiores, não pode uma mera portaria, norma que tem por finalidade apenas regulamentar procedimentos a serem adotados pelos agentes públicos, criar empecilhos ou estabelecer regras não previstas em lei.

Outro ponto que não pode deixar de ser mencionado é o fato de a PGFN ser a parte adversária dos contribuintes nos processos de execução fiscal e, ao mesmo tempo, o órgão responsável pela emissão da certidão de regularidade fiscal. Para exercer essa dupla função, prevista na sua Lei Orgânica e no seu Regimento Interno, deveria a PGFN agir com neutralidade e respeito absoluto à legislação em vigor e à Constituição Federal, sob pena de atentado ao estado democrático de direito.

Contudo, o que se verifica diariamente é a violação dos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes, fazendo com que a renovação da certidão de regularidade fiscal seja uma tarefa árdua e quase que impossível administrativamente, não restando outra alternativa aos contribuintes que não buscar a proteção de seus direitos no Poder Judiciário.

A Constituição Federal estabelece que compete privativamente ao Congresso Nacional o papel de legislar. A lei que rege o processo de execução fiscal, bem como o oferecimento de garantias de débitos inscritos em dívida ativa, é a Lei nº 6.830, de 1980, a Lei de Execuções Fiscais. Dessa forma, não há como negar que a portaria nº644 também é inconstitucional por este aspecto, pois, para haver alteração sobre os critérios e as condições para a aceitação de garantias em processos de execução fiscal, o Congresso Nacional precisaria alterar especificamente a Lei nº 6.830, o que não ocorreu até o presente momento.

Nesse sentido, vale mencionar que o governo federal elaborou em 2007 um polêmico projeto de lei com o objetivo alterar a Lei de Execuções Fiscais. Referida proposta contou com a participação ativa da PGFN em sua elaboração e, basicamente, pretendeu permitir aos procuradores da Fazenda Nacional realizar diretamente a penhora das contas bancárias dos contribuintes, ainda na esfera administrativa, sem a indispensável autorização do Poder Judiciário.

Apesar da justificativa utilizada pela PGFN para a realização da penhora administrativa, que era a de tornar mais célere e eficaz a cobrança de débitos tributários, o projeto ficou paralisado na Câmara dos Deputados, em vista do amplo questionamento de vários setores da sociedade e da nítida violação a diversos princípios e garantias constitucionais dos contribuintes. Essa proposta, provavelmente será retomada por conta de um novo projeto apresentado ao Congresso no mês de abril.

Portanto, não nos resta dúvida que, depois da frustrada tentativa da penhora administrativa, a PGFN agora, com o propósito de aumentar a arrecadação tributária, vem se utilizando indevidamente de instrumentos normativos para dificultar o oferecimento de garantias válidas e previstas em lei e, assim, coagir os contribuintes ao pagamento dos débitos ou à realização de depósito em dinheiro.

Pelas razões expostas acima, esperamos que o Poder Judiciário, mais uma vez, rechace a aplicação de norma regulamentar que não possui amparo em lei e extravasa os limites de sua competência com função unicamente arrecadatória. Afastando a aplicação indiscriminada da Portaria nº 644, o Poder Judiciário restabelecerá a ordem e tornará o processo de execução fiscal em um ambiente mais justo e equânime, em respeito ao ordenamento jurídico e à Constituição Federal.

Luiz Roberto Peroba e Rodrigo Martone são, respectivamente, sócio e associado da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.