Carga tributária: novas ameaças
O Brasil, como se sabe, tem uma carga tributária excessiva e inibidora do desenvolvimento. Infelizmente, há o risco de novo aumento, pois a mesma Câmara que promete reduzir o apetite tributário da MP 232 está trabalhando em prol de uma nova elevação da carga.
Muitos pensam que a carga tributária aumenta por causa de uma compulsão do governo ao gasto. Ainda que aqui e ali isso seja verdadeiro, como na recente contratação de milhares de servidores, a verdade é outra. A brutal elevação, de 22% para 36% do PIB em apenas quinze anos, sem paralelo no mundo, tem duas explicações básicas: a irresponsabilidade fiscal do Congresso - na Constituição de 1988 e também depois - e os aumentos reais do salário mínimo propostos pelo Executivo. O aumento da carga se destinou, pois, a cobrir os respectivos gastos previdenciários, de pessoal e de vinculações de receitas.
A qualidade também piorou, por conta da concentração, no Imposto de Renda e no IPI, da partilha de recursos da União com os Estados e municípios.
O governo federal teve de recorrer a maus tributos - as contribuições não partilháveis - para evitar uma elevação ainda maior da carga tributária.
Agora, o risco de aumento vem de um novo festival de irresponsabilidade na Câmara, que começou com a elevação da verba de gabinete dos deputados, continuou com a emenda constitucional para privilegiar grupos de funcionários e culminou na ampliação de benefícios sociais. A Câmara armou uma paulada de R$ 30 bilhões por ano nos já sofridos contribuintes, pois não haveria outra maneira de arranjar a dinheirama.
O panorama sinistro ganhou mais um lance. Pela primeira vez, uma idéia na linha do Congresso nasce no Executivo. Trata-se da proposta do ministro Tarso Genro, de elevar de 18% para 22,5% a vinculação de impostos federais à educação. Houve projetos semelhantes no passado, que morreram sem vir a público por não resistirem ao teste da racionalidade e do interesse público.
Propostas desse tipo são recebidas com simpatia, pois não é clara para todos a relação causal entre gastos e carga tributária. Assim, quem é contra tão nobres propósitos, como este escriba, tende a ser acusado de servir a outros interesses ou de neoliberal (no sentido pejorativo que se dá ao termo).
Melhorar a educação não significa necessariamente aumentar despesas públicas. O Brasil já gasta 5,4% do PIB em educação, tanto quanto muitos países ricos. A saída é buscar meios para sua melhor aplicação.
Como disse o secretário do Tesouro Joaquim Levy a Suely Caldas (ver o artigo dela domingo passado), a Índia gasta 3% do PIB em educação e a China menos ainda, só 2%, mas são eles que têm foguetes e são referência em produção científica, disse o secretário. Suely acrescentou, com razão: nas universidades públicas se gasta demais com estruturas inchadas de funcionários de apoio e de menos em pesquisa científica.
A vinculação de receitas a despesas é uma forma primitiva e equivocada de definir prioridades. A idéia pressupõe que os governos não dão importância ao respectivo gasto ou cede a pressões de áreas menos importantes, o que não costuma ser verdadeiro em sociedades democráticas. Recorre-se também a uma justificativa absurda, qual seja a de que vinculação evita que o pagamento dos juros prejudique a educação.
A vinculação significa decidir hoje pelas gerações futuras, que são assim consideradas incapazes de adotar seus próprios destinos e m udar prioridades, se estas vierem a ser distintas das atuais. A experiência mostra que a vinculação gera incentivos ao desperdício, principalmente porque os gestores não têm que lutar pelos correspondentes recursos.
Além disso, a vinculação aumenta a rigidez do gasto público, o que produz ineficiências na gestão fiscal e na alocação dos recursos, prejudicando o desenvolvimento.
Felizmente, salvo a festa das verbas de gabinete, que gerará um mal infinitamente menor, as demais propostas tendem a morrer. A irresponsabilidade dos deputados, que mereceu ampla repulsa da opinião pública, da mídia e dos governadores, pode ser barrada no Senado ou na própria Câmara (no caso do aumento de gastos sociais). A proposta do ministro da Educação tem tudo para ser abatida em pleno ar pelos argumentos dos que tem missão de zelar pelo interesse público, como o ministro da Fazenda.
* Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultorias Integradas (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br)
Fonte: O Estado de São Paulo