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04/11/2010

Dilma negocia com Estados recriação da CPMF

Cristiano Romero e Paulo de Tarso Lyra | De Brasília

Em sua primeira entrevista coletiva, a presidente eleita, Dilma Rousseff, admitiu negociar com governadores proposta de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), tributo conhecido como "imposto do cheque" e que foi extinto em 2007 pelo Congresso, na maior derrota sofrida pelo governo Lula. Ela admitiu dar um aumento maior para o salário mínimo que vai vigorar em 2011, antecipando parte do reajuste que só valeria para 2012. Prometeu, ainda, elevar a 100% a cobertura do Bolsa Família e mandou um recado ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST): "Eu não compactuo com ilegalidades, com invasão de prédios públicos nem de propriedades que estão sendo produtivamente administradas".

Durante a campanha eleitoral, Dilma fez declarações assegurando que não proporia a recriação da CPMF. Um de seus principais assessores chegou a afirmar ao Valor que "o Brasil já disse que não quer [o imposto]". Ontem, ela afirmou que se preocupa com a criação de impostos e que preferiria ter "outros mecanismos". Acrescentou, no entanto, que tem visto uma mobilização de governadores pela volta do tributo.

"Não posso fingir que não vi", disse ela. "É necessário que se abra uma discussão com os governadores eleitos", defendeu. "Do ponto de vista do governo federal, não há uma necessidade premente [de recriar a CPMF], mas do ponto de vista dos governadores sei que há esse processo."

Na avaliação de Dilma, os governadores necessitam de recursos para cumprir a Emenda 29, que definiu o mínimo de recursos a serem aplicados na saúde. No caso da União, a emenda diz que o valor corresponde ao total gasto nessa área no ano anterior, corrigido pela variação do PIB nominal. Já os Estados têm que aplicar 12% das receitas próprias e os municípios, 15%. "Para a União, é mais fácil. Para os Estados e municípios, é mais difícil", observou a presidente eleita.

Dilma disse, ainda, que as áreas de saúde e segurança pública terão "grande destaque" em seu governo, e que sua meta é completar a implantação do Serviço Único da Saúde (SUS). "No caso da segurança pública, vamos ter que investir recursos significativos. Não é possível resolver uma questão de envergadura nacional, primeiro, sem a cooperação entre Estados e municípios e a União; segundo, não é possível sem que a União participe efetivamente com recursos; e terceiro, sem que a gente dê uma clara prioridade para essa área", assinalou.

A proposta de recriação da CPMF já tramita no Congresso. Rebatizada para Contribuição Social para a Saúde (CSS), está prevista, como contribuição social para a seguridade, no projeto de lei complementar que regulamenta a Emenda 29.

A presidente eleita disse que, em seu governo, terá diálogo com os governadores. Ela elogiou telefonema dado por Geraldo Alckmin, eleito governador de São Paulo pelo PSDB. "Fiquei muito contente porque recebi uma ligação muito correta e republicana do governador eleito de São Paulo, o nosso governador Alckmin, em que ele apresenta o que considero que é a forma correta de relacionamento. Pretendo ter com ele, não só com os governadores da situação, mas da oposição, uma negociação em alto nível. Vou estar atenta às necessidades deles", prometeu.

A iniciativa da entrevista coletiva partiu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que falou a jornalistas durante 30 minutos no saguão do Palácio do Planalto, tendo Dilma ao seu lado. Depois, ele saiu e deixou a presidente eleita dar a própria entrevista. Partiu de Lula a primeira referência à CPMF. Segundo ele, a oposição - "essas pessoas" - tirou R$ 40 bilhões das receitas anuais do governo ao rejeitar, em 2007, a prorrogação da CPMF. "160", corrigiu Dilma. "Se for levar o mandato inteiro, dá mais de R$ 160 bilhões da saúde", corrigiu-se Lula.

"Acho que foi um engano ter derrubado a CPMF, e acho que alguma coisa tem que ser feita para a área da Saúde", insistiu o presidente.

Quanto ao reajuste do salário mínimo, a presidente eleita declarou que considera "muito bom" o critério de correção aplicado pelo governo Lula desde 2006. Por essa regra, o mínimo é corrigido pela inflação corrente (medida pelo INPC), acrescida da variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos atrás. Como o crescimento do PIB de 2009 foi negativo - em 0,2% -, o reajuste do salário mínimo de 2011 seria feito apenas com base na inflação de 2010 - estimada em 5,52%.

Aplicada a regra, o mínimo seria corrigido, em janeiro, de R$ 510 para R$ 538,15. Como o PIB deve crescer 7,5% em 2010, o reajuste a ser concedido no fim de 2011 poderá chegar a 13%. A presidente eleita admitiu a possibilidade de mudar a regra de correção para este e o próximo ano, de forma que haja um aumento maior agora e outro, menor, no fim do próximo ano. Seria uma forma de compensação entre um momento e outro.

"Vou debater com o governo se é possível fazer essa compensação", informou Dilma. "Num cenário de PIB crescendo às taxas que nós esperamos, vamos ter o salário mínimo no horizonte de 2014 bem acima de R$ 700 e poucos reais, mantido o critério. Se não tiver nenhuma alteração [da regra], já em 2011 [no fim do ano] ele estaria acima de R$ 600", previu. "Agora, nós vamos fazer esse ajuste", avisou.

A presidente eleita disse que o país tem terras "suficientes" para continuar fazendo reforma agrária. Ela se comprometeu em avaliar o índice de produtividade, que está sendo elaborado pela Embrapa, para efeito de reforma agrária. Declarou também que não tratará o MST como um "caso de polícia" e que não permitirá a ocorrência de novos "eldorados do Carajás [massacre de trabalhadores sem-terra ocorrido em 1996]". Ao mesmo tempo, fez questão de deixar claro, num estilo que a diferencia de Lula, que não vai tolerar invasões de terras produtivas e de prédios públicos pelo MST.

Em outra declaração que rompe com a conduta adotada pelo atual presidente, Dilma condenou a aplicação da pena capital à iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani por apedrejamento. "Sou radicalmente contra o apedrejamento da iraniana. Não tenho nenhum status oficial para fazer isso [interceder junto ao governo de Teerã], mas externo aqui que acho uma coisa muito bárbara o apedrejamento da Sakineh. Mesmo considerando os usos e costumes de outros países, continua sendo bárbaro o apedrejamento", criticou.

Durante a entrevista, ao saudar a sua sucessora, eleita com seu empenho pessoal, Lula disse que a chegada de Dilma ao poder "é a vitória daqueles que perderam em 1968". Na sua vez de falar, a presidente eleita afirmou que só a história dirá se sua geração cometeu erros.

"Eu pessoalmente acho que a gente não tinha a menor chance de ganhar, a menor chance de transformar o Brasil", reconheceu. "Nós temos um mérito. Com a cabeça e as condições que a gente tinha, lutamos contra a ditadura. Então, do meu ponto de vista, essa geração teve outro mérito: ela participou da luta pela redemocratização do primeiro ao último dia. E nesse processo ela não só transformou o Brasil, como também se transformou."

Dilma voltou a elogiar a liberdade de imprensa. "Por que eu tenho um valor muito grande da democracia e da liberdade de imprensa, de opinião e de expressão? Porque eu sou de uma época em que a liberdade de imprensa era extremamente subversiva. Uma peça de teatro, o Roda-Viva [de Chico Buarque], era o cúmulo da subversão", exemplificou. "Essa geração sofreu uma coisa terrível, que é a restrição do caminho. O caminho de vida tinha encurtado."

Nos próximos quatro dias, a presidente eleita descansará na praia de Itacaré, na Bahia. Na segunda-feira, ela participará da primeira reunião de transição de governo e, na noite desse dia, viajará para Seul, a convite do presidente Lula, para participar da reunião do G-20.

Governadores do PSB e do PT encampam CPMF; Alckmin resiste

Murillo Camarotto, Ana Paula Grabois, Vandson Lima, Sérgio Bueno, Fernando Taquari e Chico Santos | De Recife, São Paulo, Porto Alegre e Rio

Governadores eleitos do PSB e do PT estão dispostos a encarar a insatisfação de setores da população com a eventual volta da cobrança da CPMF, extinta em dezembro de 2007. Um dos maiores entusiastas é Eduardo Campos (PSB), reeleito em Pernambuco e defensor da CPMF durante o processo de extinção do tributo.

O governador de Pernambuco, também presidente do PSB, reivindica maior espaço da legenda no governo Dilma, cacifado pelo desempenho positivo do partido nas eleições aos governos estaduais. O vice-presidente eleito, Michel Temer (PMDB), por outro lado, defende que a ocupação dos ministérios na próxima gestão deva ocorrer de acordo com o tamanho da bancada de cada partido no Congresso (ver reportagem à página A5).

A discussão do retorno da contribuição está mais azeitada entre governadores da base do governo no Nordeste, que pleiteiam a discussão imediata sobre o financiamento à saúde. Os governadores estão dispostos a endossar uma eventual tentativa do Planalto de aumentar as receitas do setor ainda neste ano.

O governador reeleito do Piauí, Wilson Martins (PSB), defende um instrumento de financiamento ao setor da saúde. Martins já tratou do assunto em reunião com Eduardo Campos e com os governadores reeleitos da Bahia, Jaques Wagner (PT); do Ceará, Cid Gomes (PSB). Também participou da reunião outro governador do PSB eleito em 2010, Renato Casagrande, do Espírito Santo.

Segundo a assessoria de Martins, uma proposta conjunta, ainda não divulgada, pode ser apresentada pelo grupo. Tanto Wilson Martins quanto Cid Gomes já se manifestaram favoravelmente à aprovação da Emenda 29, que fixa percentuais de gastos com a saúde e traria impactos sobre os orçamentos de Estados e municípios.

O governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), também defendeu a volta da CPMF. "Sou favorável à CPMF desde pequeno", afirmou. Para o futuro governador petista, o tributo é "limpo" ao facilitar o acompanhamento das movimentações financeiras e também é "justo" porque é utilizado diretamente para financiar a saúde. Ele disse ainda que a derrubada da contribuição, no fim de 2007, foi um "erro" do Congresso.

O governador eleito do Amapá, Camilo Capiberibe (PSB), disse desconhecer o pleito de governadores para reforçar o Sistema Único de Saúde (SUS). "O modelo não foi debatido comigo até agora. Provavelmente devemos saber na reunião do PSB", afirmou.

O PSB reúne hoje governadores, deputados e senadores eleitos em Brasília para avaliar o resultado das eleições e as perspectivas futuras. Capiberibe é favorável ao retorno da cobrança do tributo para financiar a saúde. "É importante porque temos hospitais geridos pelo Estado com recursos do SUS", disse.

Até o tucano Teotonio Vilela Filho, reeleito no domingo ao governo de Alagoas, em tese, vê a medida como positiva, embora não tenha tratado do tema com nenhum representante desta ou da futura administração federal nem com outros governadores. "Isso interessa aos governadores, sem dúvida", disse Vilela.

Aliado do PMDB de Lula e de Dilma, o governador reeleito do Rio, Sérgio Cabral, foi procurado, mas não houve resposta até o fechamento desta edição.

A possibilidade da volta da contribuição desagradou o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). O tucano pediu cautela na recriação de tributos. "É mais urgente discutir o modelo tributário, de forma mais ampla", disse Alckmin. A posição adotada pelo tucano se assemelha à defendida por José Serra (PSDB), candidato derrotado na disputa pela Presidência, para quem a criação de impostos só deveria ser discutida no contexto de uma reforma tributária.

Criado para financiar a saúde, a CPMF sustentava grande parte do superávit primário do país e nem toda arrecadação foi destinada ao setor da saúde. Em 2006, sua arrecadação correspondeu a 63% deste superávit.

Recriação da taxa tramita na Câmara desde 2008

Raquel Ulhôa | De Brasília

A recriação de um imposto nos moldes da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), extinta em dezembro de 2007, está prevista em projeto de lei complementar em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2008. A proposta começou a ser votada, mas a aprovação final depende da deliberação sobre um trecho (destaque) - que trata exatamente do novo imposto.

Se a proposta for aprovada pelos deputados, ainda terá de ser submetida ao Senado. Por ser projeto de lei complementar, a aprovação exige maioria absoluta (metade mais um dos parlamentares de cada Casa, o que representa 257 deputados e 42 senadores) de votos favoráveis. É um quórum maior do que o necessário para aprovar lei ordinária (maioria simples) e menor do que o exigido para aprovar emenda constitucional (três quintos de votos a favor) - instrumento pelo qual a CPMF foi extinta.

O projeto que abriga a recriação da CPMF nasceu da necessidade de regulamentar os parágrafos 2º e 3º do art. 198 da Constituição Federal de 1988 (texto da Emenda Constitucional nº 29, de 2000), para dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente por Estados, Distrito Federal, municípios e União em ações e serviços públicos de saúde, os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de governo.

De autoria do senador Tião Viana (PT-AC), a proposta foi aprovada pelo Senado e encaminhada à Câmara dos Deputados, em maio de 2008, sem tratar de qualquer novo tributo. Na Câmara, os líderes do PT, PMDB, PSB, PDT, PCdoB, PR, PTB e PP fizeram acordo para alterar o texto e elaborar um substitutivo que, entre outras mudanças, cria a Contribuição Social para Saúde (CSS).

Com uma alíquota de 0,1%, o novo imposto tem as mesmas características de incidência tributária da extinta CPMF, com a diferença que sua arrecadação está totalmente vinculada ao custeio das despesas na área da saúde. Seria uma contribuição de caráter permanente, sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, como fonte complementar de recursos à saúde.

A criação da CSS foi incluída no substitutivo pelo relator, deputado Pepe Vargas (PT-RS). O projeto começou a ser votado no plenário da Câmara em junho de 2008, mas ficou pendente a votação de um destaque, apresentado pelo DEM, que retira do projeto a base de cálculo do novo tributo, o que, na prática, tornaria inviável sua criação.

A ideia de recriar a CPMF causou repercussão negativa, dividiu a base do governo e causou o impasse na votação do projeto que regulamenta a Emenda 29. Sem maioria garantida para aprovar a CSS, os próprios governistas provocaram sucessivos adiamentos na votação. Por enquanto, não há mobilização dos líderes partidários para que a votação seja retomada, mas podem reagir ao novo apelo para recriação do imposto feito ontem pelo presidente Lula e a presidente eleita Dilma Rousseff.

Caso o projeto seja retomado ainda nesta legislatura, a oposição terá mais dificuldade de rejeitar o novo imposto do que teve no caso da CPMF, já que o quorum exigido para aprovação é menor.

Fonte: Valor Econômico