Governo Temer vai ter de fazer escolhas difíceis, diz Armínio Fraga
O Brasil está quebrando. Consertar esse estrago vai exigir que o governo de Michel Temer faça escolhas difíceis, que exigirão apoio político. A opinião é do economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos. Cogitado pelo presidente interino para assumir o Ministério da Fazenda–o que acabou não acontecendo–, Fraga diz que o mais urgente é resolver o problema fiscal, incluindo uma reforma da Previdência. Para ele, é preciso retomar projetos de infraestrutura e avaliar a eficiência de programas sociais. Leia a seguir a entrevista. Folha – Qual é sua expectativa em relação ao novo governo? Armínio Fraga – Vamos ter a chance de melhorar. A saída do governo anterior era uma condição necessária, mas não é suficiente. A expectativa é de que o governo vá se mexer. Isso já foi sinalizado quando o novo presidente publicou “A Ponte para o Futuro” [documento com diagnósticos sobre a economia]. Qual é o maior desafio? É sempre difícil entregar resultado. Entre os muitos desafios, a parte fiscal é a emergencial e tem de incluir um componente de curto prazo, mas também reformas, como a da Previdência, que parece ser prioridade do governo. E eles têm razão em abordar essa questão logo de cara. Quais deveriam ser as primeiras medidas? São tantas coisas que precisam ser feitas que não dá para ter uma visão completa da coisa sem estar lá dentro. A agenda de reformas existe e diria que uma parte importante é quase consensual. Então, o governo tem que definir o que vai ser sinalizado como projeto e vai ter que definir o que pode ser feito e em que ordem. Há consenso na sociedade sobre as reformas necessárias, que implicarão reduzir benefícios? Espero que a essa altura do jogo as pessoas tenham entendido pelo menos um pouco do que aconteceu, do grande engodo que foi todo esse período de populismo, sem prejuízo de alguns aspectos sociais importantes, e que há uma relação de causa e efeito. Populismo e mentira geram isso que está aí. Agora, eu não tenho certeza se isso está claro para a maioria das pessoas. O efeito de tudo isso me leva a crer que sim, mas vamos saber agora. Há economistas que dizem que problemas que vêm desde a Constituição de 88 contribuíram para a crise. O sr. concorda? Acho que já passou tempo suficiente para pararmos de culpar a Constituição. Tem problemas na Constituição, talvez dificulte a criação de um ambiente mais propício à estabilidade. Mas acho que não é desculpa. Se há problema, precisa ser resolvido. Há muitos problemas que não foram resolvidos ao longo dos anos. O presidente Fernando Henrique tentou perdeu aquela votação [da adoção de uma idade mínima para a aposentadoria] por um voto. Ele fez o fator previdenciário, que, depois, foi revogado. Aprovaram um Plano Nacional da Educação, com toda a importância da educação, mas que custa mais cinco pontos do PIB. O Brasil já está cinco pontos no buraco. Vai criar um buraco de dez. E mais cinco a sete pontos percentuais da Previdência vão aparecer ao longo dos próximos dez, quinze anos. Ao mesmo tempo não se fala em eficiência do Estado. O Brasil precisa de um superavit primário bem razoável para aguentar a dívida do tamanho que ficou. Isso tem de ser resolvido e espero que sem uma crise maior que a que vivemos hoje. O Henrique Meirelles, novo ministro da Fazenda, é capaz de resolver isso? Não tenho a menor dúvida de que o governo entende perfeitamente esse desafio. Sabe o que precisa ser feito. O que tem que acontecer agora é um conjunto de fatores que inclui, sobretudo, apoio político. Avançar na área de infraestrutura é crucial. Uma vez removidas as barreiras ideológicas e aquelas ligadas à incompetência, isso deveria andar também. Especialistas da área social como Ricardo Paes de Barros defendem que há gastos sociais ineficientes que precisam ser revistos. O sr. concorda? Concordo. O Ricardo Paes de Barros, que é um extraordinário especialista nessa área, defende essa tese há muito tempo e tem toda razão. O fato é que o Brasil está hoje em uma situação em que essas coisas todas terão de ser pensadas. A grande armadilha do populismo, da mentirada da campanha de 2014, é que qualquer menção a qualquer tipo de ajuste era visto contra um pano de fundo falso, um pano de fundo de que está tudo bem, de que não vamos mexer em nada. Não está tudo bem, o país está quebrando, as pessoas vão ter de mexer, eventualmente, em muita coisa. E é difícil mesmo. Mas é melhor do que a alternativa. O estrago já foi feito. Agora, é consertar e isso vai envolver escolhas. RAIO-X ARMÍNIO FRAGA, 58 Formação Economia pela PUC-Rio, doutor pela Universidade de Princeton, nos EUA Carreira Diretor do Banco Central entre 1991 e 1992 Trabalhou com George Soros entre 1993 e 1999 Presidente do Banco Central entre 1999 e 2002 Em 2003, fundou a gestora de recursos Gávea Investimentos, que recomprou do JPMorgan no fim de 2015 Folha de São Paulo