Copom definirá juros em cenário confuso
O comportamento da indústria em julho embaralhou o cenário para o Banco Central definir a taxa básica de juros (Selic) na semana que vem. Por um lado, tanto o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) quanto a Confederação Nacional da Indústria (CNI) computaram que a produção industrial continua com forte crescimento em relação aos fracos meses do ano passado. Por outro, registraram que, quando confrontado com bases mais expressivas ? como junho deste ano ? o ritmo da atividade começa a dar sinais de acomodação, com os setores mais ligados ao consumo interno apresentando queda na produção.
Segundo o IBGE, apesar de, na média, a indústria ter contabilizado expansão de 0,5% entre julho e junho, a produção de semiduráveis e não duráveis, segmentos que dependem mais da renda para crescer, recuou 1%, interrompendo um ciclo de recuperação iniciado em março. Na mesma comparação, de acordo com a CNI, as vendas da indústria encolheram 3,31%, depois de uma seqüência de quatro meses consecutivos de expansão. Esses resultados esquentaram o debate sobre o possível aumento das taxas de juros pelo Comitê de Política Monetária (Copom), entre 0,25 e 0,5 ponto percentual. Há muitos questionamentos se realmente a alta da Selic, que está em 16% ao ano, é viável neste momento, mesmo com os índices de inflação apontando para cima.
Renda é limitador
No mercado financeiro, são quase unânimes as apostas de que a Selic vai subir, sim, na próxima semana, numa tentativa do Copom de reverter as expectativas inflacionárias. Tal expectativa se consolidou com a divulgação de mais um índice de preços calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O Índice Geral de Preços ? Disponibilidade Interna (IGP-DI), que corrige as tarifas de telefonia, ficou em 1,31% em agosto, ante o 1,14% de julho. Apesar dessa alta, o economista-chefe da Gap Asset Management, Alexandre Maia, uma das poucas vozes dissonantes do mercado, acredita que o Copom deve esperar um pouco mais para mexer nos juros. ??Não há uma cenário claro sobre o crescimento e a inflação??, disse.
Para Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), não será um aumento de 0,25 ou de 0,5 ponto percentual da Selic que reverterá a inflação, pois não há superaquecimento no consumo. O que está acontecendo, disse ele, é o que os economistas chamam de choque de oferta, causado pelo reajuste das tarifas, pelo aumento da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) ? repassado para os preços ? e pela valorização de commodities (mercadorias) internacionais, como o petróleo e o aço, no exterior. ??A política de juros não tem efeito sobre esses fatores e não há necessidade de elevar a Selic??, afirmou.
Na opinião de Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), um aumento de juros agora só tende reverter as expectativas positivas dos consumidores e do empresariado quanto ao crescimento. De posse dos dados do IBGE, ele argumentou que a indústria ainda se ressente do baixo poder aquisitivo da população. ??A renda permanece sendo um grande limitador para o crescimento??, afirmou. E isso, segundo Thadeu, pode ser medido pelos preços administrados pelo governo. ??Bastou o reajuste dos preços dos combustíveis, de telefonia e de energia elétrica para que as famílias cortassem parte de suas compras??, assinalou.
No entender do professor Aloísio Campelo Jr., do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, o recuo em julho na demanda por bens semiduráveis, como vestuário, e não duráveis, como alimentos, foi pontual e pode ser apenas um simples ajuste técnico nos estoques da indústria. ??Temos indicadores mostrando que a produção desses bens vai continuar em alta até o fim do ano, mas sem grandes saltos que justifiquem aumento de juros para conter o consumo??, concluiu.
Pressionada, Bolsa paulista cai 1,1%
O temor de alta dos juros cresceu ontem e derrubou a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Nem a melhora do rating (nota ? leia abaixo) do Brasil foi suficiente para injetar ânimo na Bolsa paulista, que fechou em baixa de 1,10%. Neste mês, o índice acumula perda de 2,2%. Na BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros), o contrato DI (Depósito Interfinanceiro) da virada do mês projetou juro de 16,03%, acima da taxa da véspera (16,01%) e da atual Selic (16%).
A última ata do Copom reforçou sinais de que poderá elevar a taxa para conter a inflação e o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, sinalizou que uma alta do juro não vai comprometer o crescimento da economia. Por outro lado, a alta do petróleo inibe previsões otimistas para a inflação.
Nota
A cotação do dólar chegou a subir até 0,41% ontem, por causa da expectativa de aumento dos juros, mas recuou após o anúncio da melhora do rating do Brasil e encerrou estável, a exatos R$ 2,90. A agência internacional de classificação de risco Moody?s elevou a nota de crédito dos títulos da dívida externa emitidos pelo governo brasileiro em moeda estrangeira.
O aumento das exportações, que somam US$ 62,7 bilhões neste ano, e seu impacto nas contas externas do país, como a menor necessidade de dólares do exterior para o financiamento da dívida pública, justificaram a decisão. A agência elevou a nota das emissões de dívida soberana em moeda estrangeira do Brasil de ??B2?? para ??B1?? e manteve a perspectiva estável.
Essa nota deixa o Brasil a quatro degraus do investment grade (grau de confiança máxima dos mercados), quando um país é melhor avaliado pelos investidores e consegue captar com juros menores.
A perspectiva de entrada de recursos externos no país é positiva. A venda de bônus pelo Tesouro abriu espaço para a tomada de empréstimos pelas empresas. A CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) contratou o Citigroup para captar até US$ 300 milhões com títulos de 15 anos. O Banco do Brasil deve, na próxima semana, fechar uma operação entre US$ 300 milhões e US$ 500 milhões, por meio de emissão de títulos de dívida subordinada (em caso de falência, é a última a ser paga), com prazo de dez anos.
Fonte: Correio Braziliense