icon
(47) 3326-3677

Blumenau / SC

icon
Atendimento

Segunda à Sexta
8h às 12h - 13h às 17h30

icon
Área Restrita

Exclusiva para Clientes

09/02/2007

O imposto perdeu o foco na saúde

Sob o olhar desconfiado da população, acostumada às enormes filas nos guichês de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e a observar o drama de quem vê um parente falecer em casa por que as ambulâncias públicas demoraram a chegar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva costuma elogiar a saúde pública brasileira. No ano passado, disse que a qualidade da saúde do País era "quase perfeita". Talvez as impressões oficiais chegassem ao senso comum se um instrumento criado para curar o problema da saúde do Brasil fosse usado adequadamente: a Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF). Mas não é o que acontece. Atualmente, apenas uma menor parte da tributação beneficia hospitais e postos de saúde. De acordo com o Ministério do Planejamento, em 2006, o percentual da arrecadação desse tributo repassado ao Ministério da Saúde ficou em 42,1% - ou R$ 13,7 bilhões. Esse dinheiro é repassado diretamente aos 6,5 mil hospitais que atendem pelo SUS, aos postos de saúde, às farmácias populares e aplicado em programas como Brasil Sorridente e na manutenção de equipes da Saúde Bucal. São usados para manutenção e aquisição de equipamentos e no pagamento de salários para médicos e enfermeiros. Outra parte da CPMF é destinada a gastos diversos. O Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza recebeu 21,1% das verbas arrecadadas no ano passado. Outros 21% foram usados para tapar rombos na Previdência e 15,8% estão incluídos no que o governo chama de "livre programação" - gastos em outras áreas que não as sociais. Ou seja, outros R$ 18,5 bilhões que poderiam ser usados para comprar mais remédios e contratar novos médicos vão parar bem longe da saúde. O Ministério da Saúde argumenta que a CPMF é apenas uma parte dos recursos arrecadados pela saúde. De acordo com o órgão, há uma constante busca por fontes de recursos que possam melhorar o financiamento do SUS. No entanto, os demais repasses federais para a área da saúde foram bruscamente reduzidos desde a criação da CPMF - o que colocou a contribuição como principal fonte de receita para o setor. Entre 1996 e 2000, o repasse do Cofins (Contribuição para Fins de Seguridade Social) para a saúde caiu de 42,4% para 34,7% e o repasse da CSLL (Contribuição sobre o Lucro Líquido) caiu de 20,8% para 13,9%. O próprio idealizador da CPMF, o ex-ministro da saúde José Jatene, costuma dizer que os investimentos brasileiros em saúde ficam muito aquém do ideal. Enquanto em países desenvolvidos o gasto anual per capita com saúde é de US$ 2 mil, no Brasil, fica em torno de US$ 300. Não que o uso da contribuição para outros fins seja um capricho exclusivo do Governo Lula. Desde a criação da CPMF, em 1996, sua aplicação é direcionada para outras áreas, graças à Desvinculação dos Recursos da União (DRU), medida criada durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso que permite que parte da arrecadação das contribuições seja usada para outros fins. Além da CPMF, também está enquadrada na DRU a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), por exemplo, que deveria ser usada para melhorar as condições das estradas brasileiras, mas dificilmente se reverte em construção e reforma de rodovias. É injusto afirmar que o dinheiro arrecadado pela CPMF e repassado para a saúde é pouco. Considerando a realidade política e o alto endividamento do País, constatar que 40% da arrecadação do tributo de fato está indo para onde deveria, e não sendo usado para pagar o funcionalismo ou arcar com juros, não deixa de ser um alívio. Mas também é um equívoco insinuar que o dinheiro está sendo bem usado para oferecer aos cidadãos a saúde que merecem - e pela qual pagam caro. A Organização Mundial da Saúde (OMS), órgão vinculado às Nações Unidas, classificou o Brasil em 125º lugar no ranking mundial de qualidade de saúde pública entre 191 países. Nessa lista, o País perde até para a Bósnia e Líbano e se iguala ao Egito. "Se o dinheiro arrecadado com a CPMF fosse integralmente repassado à saúde, poderíamos oferecer um atendimento muito mais qualificado à população", reivindica Ricardo Minotto, vice-diretor administrativo da Santa Casa de Porto Alegre. O tratamento dispensado à instituição, um dos mais tradicionais hospitais filantrópicos do Estado, mostra que o engorde nos cofres da União está longe de se reverter em atendimento "quase perfeito" à população. Os repasses do SUS estão defasados em pelo menos 82% e são insuficientes para cobrir os gastos com remunerações de médicos e compra de suprimentos. Faltam produtos essenciais na Santa Casa, como remédios e talas, e a baixa remuneração é um empecilho para contratar mais médicos qualificados. A situação não chegou a esse ponto à toa. Desde o início do plano real, em 1994, os custos hospitalares aumentaram em 380%, enquanto os repasses do SUS foram corrigidos em apenas 37%. "A situação está ficando insustentável", exclama Minotto. A disparidade entre os números obriga o hospital a fazer manobras internas para cobrir os gastos com o SUS. De cada R$ 100,00 gastos com atendimentos cobertos pelo governo, apenas R$ 66,00 são devolvidos pelo Ministério da Saúde. A diferença é paga pela rentabilidade de outros atendimentos, como os convênios. Ou seja, o dinheiro privado está cobrindo os espaços deixados pelo governo. A fórmula impede que a Santa Casa planeje reformas ou compras de equipamentos mais modernos, além de aumentar o endividamento devido aos seguidos empréstimos bancários. "Nossa dívida de curto prazo já equivale a um mês de faturamento", relata o vice-administrativo.

Com uma arrecadação de R$ 585 milhões, os gaúchos estão entre os que contribuem com a maior fatia do tributo no território nacional

Os gaúchos estão entre os que mais contribuem com a CPMF. No ano passado, foram debitados das contas do Rio Grande do Sul R$ 585 milhões de acordo com a Receita Federal. O número coloca o Estado como o quarto maior pagador do tributo, atrás de São Paulo (de onde saem 2/3 da tributação), Distrito Federal e Paraná (leia a tabela na página 10). Por outro lado, o Estado aparece entre os principais beneficiados pelas verbas provenientes da CPMF e repassadas pelo Ministério da Saúde. Recebe, inclusive, mais do que paga. No ano passado, absorveu R$ 694,1 milhões (ou 5% do total) por essa fonte. Os governos estadual e federal não dispõem de informações sobre quais hospitais ou postos receberam quanto, mas a distinção é possível por planos. Pouco mais de R$ 60 milhões serviram para o programa de Atenção Básica em Saúde. Já as ações de atenção hospitalar e ambulatorial no SUS receberam R$ 598 milhões. Os outros R$ 35 milhões abasteceram farmácias e proveram os postos de saúdes de insumos básicos. No entanto, mesmo o repasse de CPMF para o Estado não garante um atendimento qualificado - e tampouco uma gestão tranqüila para as prefeituras. Em Porto Alegre, por exemplo, os postos de saúde e farmácias populares não têm recebido produtos cujo fornecimento federal é determinado por lei. O envio de bombas de ar, usadas para o tratamento da asma, foi interrompido. A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) está pagando do próprio bolso. A Capital também tem recebido da União menos preservativos do que deveria. Menos da metade das "camisinhas" distribuídas à população é enviada de Brasília, enquanto o governo federal precisaria remeter 80%, protesta a SMS. Lízia Mota, coordenadora geral da secretaria, diz que os recursos via Ministério da Saúde são insuficientes para a ampliar programas fundamentais, como o Saúde da Família. Isso por que os R$ 200 milhões repassados pelo governo federal anualmente são suficientes apenas para o pagamento de funcionários, e sobra pouco para investimentos. "A prefeitura acaba usando recursos próprios para investir em ampliação e reformas de unidades de atendimento", diz ela. "Mas apenas a nossa verba é insuficiente para dar conta do aumento da demanda da população".

O peso insustentável na produção

Além de não resolver o problema da saúde, a CPMF é um peso a mais para o setor produtivo do País. O pagamento de 0,38% sobre movimentações financeiras soa ínfimo se analisado isoladamente, mas a soma dos descontos na movimentação financeira de cada brasileiro chegou a R$ 32 bilhões no ano passado. É um dinheiro que poderia circular na economia, aumentando o poder de compra da população e gerando emprego e renda. Fosse essa a única retratação a ser feita do sistema tributário brasileiro, menos mal. Mas a CPMF é apenas uma das garras do leão. O Brasil conta com uma das maiores cargas tributárias do planeta, em torno de 39% do Produto Interno Bruto (PIB). Só a Suécia cobra mais de seus cidadãos, mas oferece a eles um serviço público infinitamente melhor que o brasileiro. "A CPMF é a maior tragédia do sistema financeiro brasileiro", atesta o professor de economia da Pucrs, Alfredo Meneguetti. "Ela prejudica diretamente o comércio do País e o poder de compra da população". Sem condições de absorverem a pesada carga tributária do País, as pequenas e médias empresas estão entre as principais vítimas da CPMF. A cada pagamento de funcionários, prestadores de serviços ou compra de material, lá está o acréscimo de 0,38% para o governo. A contribuição é uma pedra no sapato das companhias atrás de competitividade no mercado internacional. Que o diga a SouthTech, empresa gaúcha que presta serviços de soluções de hospedagem na internet. Cada centavo é importante para a formulação de preços para competir nos mercados de países desenvolvidos. Além disso, o que é pago de CPMF representa um pouco menos para investir em Pesquisa e Desenvolvimento, fundamental no setor de tecnologia. "Infelizmente, é uma verba que não podemos contar para novos investimentos", lamenta a gerente administrativa Simone Grala. Há quem acredite que a CPMF é um imposto justo, por cobrar proporcionalmente sobre o volume da movimentação financeira de cada pessoa, diferente do ICMS, por exemplo, que tributa diretamente o preço final do produto para todos os consumidores. Para Meneguetti, da Pucrs, no entanto, essa impressão é ilusória. Explicação: quando se compra um pacote de macarrão, por exemplo, o que se paga de CPMF é o mesmo para todos. Isso por que a contribuição é cobrada sobre cada etapa da cadeia de produção, desde quando o fabricante compra as matérias-primas, quando gasta com embalagem, e assim por diante, até chegar ao consumidor. Em alguns casos, a cadeia de CPMF eleva o preço dos produtos em até 4%. Mas, pelo jeito, os brasileiros ainda terão de conviver com a CPMF por muito tempo. A tributação já é uma das principais fontes de arrecadação do governo federal, à frente do Imposto de Importação, do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e até das contribuições de PIS/Pasep. A cobrança sobre movimentação financeira corresponde a 8,15% de tudo o que entra nos cofres da União em forma de tributo. Tal qual a carga tributária do País como um todo, a arrecadação da CPMF cresce a cada ano. Inflou 10%, três vezes acima da inflação, em relação à registrada em 2005. Com a perspectiva de crescimento mais acelerado na economia, e o aquecimento do comércio e da atividade industrial, não será nenhuma surpresa se a arrecadação disparar nos próximos anos. (veja essa projeção na tabela sobre a arrecadação anual). A verba é tão atraente que tem despertado o desejo dos estados. No final de janeiro, governadores brasileiros se reuniram para debater reivindicações junto ao presidente Lula. Um dos pontos mais discutidos foi a partilha de 20% da arrecadação da CPMF com os estados. Como é uma contribuição, e não um imposto, a tributação beneficia hoje apenas a União.

Fonte: Jornal do Comércio - RS