Fiscal não pode ser juiz
A Secção de São Paulo da OAB, em conjunto com as mais representativas entidades da sociedade civil (Sescon, Fiesp, Fecomércio, ACSP, CNS, entre diversas outras), lançou manifesto de apoio à derrubada do veto à Emenda 3 pelo Congresso Nacional. Na mesma ocasião, foi inaugurada a Frente Nacional de Defesa do Contribuinte, que tem por objetivo defender os direitos fundamentais do cidadão ante uma carga tributária sufocante e a disseminação da burocracia fiscal, que juntas fomentam a informalidade, congelam o crescimento econômico e punem o contribuinte honesto.
A OAB SP cumpre seu papel de defensora da cidadania e da ordem jurídica no Estado Democrático de Direito, função que lhe é atribuída pelo Estatuto da Advocacia e a OAB (Lei Federal nº 8.906/94, art. 44, I). Desde a primeira hora, a OAB SP discutiu a criação da Super-Receita, alertando sobre o perigo que a alta concentração de poderes em um único órgão poderia acarretar à democracia. Fruto de tais discussões, mudanças na concepção do superórgão fazendário foram implementadas pelo Congresso Nacional. Ademais, no Senado Federal a OAB SP viu aprovada uma série de emendas pró-contribuinte por nós apresentadas. Na Câmara dos Deputados, infelizmente insensível ao clamor da população honesta e pagadora de tributos, foram extirpadas tais emendas sem debate ou transparência, mas por mero acordo de bastidores de lideranças governistas.
Com relação à Emenda 3, esta não foi elaborada pela OAB SP, mas por ela também apoiada. É importante destacar a posição de seus defensores, irmanados na prevalência da Constituição, das leis pátrias e no enaltecimento do Poder Judiciário em um Estado Democrático de Direito. Ora, a Emenda 3 nada mais faz do que barrar a sanha fiscal, na esteira do art. 129 da Lei Federal nº 11.196/05, preservando a legitimidade da prestação de serviços por pessoa jurídica, mesmo que de caráter personalíssimo.
Diversos factóides e inverdades foram opostos à Emenda 3, no sentido de que ela suprimiria direitos trabalhistas. Tal concepção equivocada se dá por claro desconhecimento de seu alcance. Em nada trata a disposição de qualquer direito trabalhista (e mesmo a Receita Federal jamais aventou tal esdrúxula hipótese!). Seu escopo é especificamente tributário, visando à preservação de pessoas jurídicas legitimamente instituídas e protegidas pela Constituição Federal, pelo Código Civil e legislação em vigor. Tais empresas são contribuintes federais, estaduais e municipais, e sua extraordinária e eventual desconstituição, para fins fiscais, se for provada abusiva, somente poderá ser feita pelos Tribunais! É só isso o que declara e pretende a Emenda 3. Tanto não trata a Emenda 3 de qualquer minimização de direitos trabalhistas que a Receita Federal, nas injurídicas autuações, justamente as faz contra o trabalhador. Assim, à guisa de ?proteger? tal suposta ?vítima? - o trabalhador -, o Fisco o pune com elevação de tributos e multas, e ignora todos os tributos que, como empresa, já foram pagos à União, aos Estados e aos Municípios.
A mera leitura da Emenda 3 evidencia que não há nenhum impedimento às atividades de fiscalização. O que proíbe é a desconstituição de um ato jurídico perfeito e acabado (configurado na personalidade jurídica do prestador de serviços), pois esbarrará em direitos e garantias fundamentais do cidadão albergados pela Carta Magna. O que afiança, pois, a Emenda 3 é que não será por mera opinião de um fiscal que se desconstituirão atos, negócios ou pessoas jurídicas, mas tão-somente pelos tribunais pátrios, se comprovado algum abuso de direito.
É por isso que a OAB SP e as entidades que formam a Frente Brasileira de Defesa do Contribuinte legitimamente defendem o caráter meramente declaratório do art. 129 da Lei nº 11.196/05, bem como a manutenção da Emenda 3. A resposta do governo ao veto da Emenda 3 foi o péssimo projeto de lei nº 536, que tenta instituir uma arbitrária norma geral antielisão. Isso permitiria a um fiscal não apenas desconsiderar uma empresa, mas todo e qualquer ato praticado pelo cidadão, sempre que, ao mero palpite fazendário, o contribuinte devesse pagar mais tributos do que os que já recolhera. Ora, assim como não pode um policial prender um suposto criminoso e ao mesmo tempo julgá-lo e condená-lo, não pode um fiscal desconsiderar atos jurídicos constitucionalmente protegidos, sobrepondo-se à competência do Poder Judiciário.
A separação de poderes é um marco da civilização contra o arbítrio e a prevalência da Constituição não poderá ser subtraída! A OAB SP não tergiversará na defesa intransigente do império da lei, da democracia e da aplicação da Justiça com independência. E jamais será subserviente a qualquer governo, de qualquer coloração política.
Fiscal não é juiz! E o fiel da balança no Estado Democrático de Direito é justamente o mais elevado e impoluto dos poderes da República: o Poder Judiciário! Isso é o que diz e pretende a Emenda 3, cujo veto deverá ser derrubado pelo Congresso Nacional, salvo se alguma alternativa constitucionalmente válida for democraticamente encontrada pelo governo em conjunto com a sociedade brasileira.
Fonte: O Estado de S.Paulo