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26/10/2004

O pagamento nos crimes tributários

O tema a ser abordado nesta oportunidade refere-se aos aspectos axiológicos que envolvem a compreensão do pagamento do tributo como causa de extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária. Uma das modificações almejadas pelo Projeto de Lei nº 3.670, de 2004, de autoria do deputado Paulo Rubem Santiago (PT), é exatamente a exclusão deste benefício, hoje vigente no ordenamento brasileiro.

 

Com efeito, no campo doutrinário tem-se argumentado em desfavor do pagamento extintivo de punibilidade, em suma, com dois fundamentos (relato de Schmidt, Andrei Z, "Exclusão da Punibilidade em Crimes de Sonegação Fiscal"): 1) preliminarmente, porque o poder punitivo não poderia ser tratado como algo comerciável, traduzível em pecúnia, que é característica própria do direito privado; 2) aproximando-se do aspecto normativo, porque o tratamento diferenciado conferido à criminalidade das classes dominantes em relação ao dispensado à criminalidade clássica, na qual a restituição do objeto furtado é mera minorante, feriria o espírito constitucional da isonomia.

Os argumentos são ilusórios. Com efeito, não é verdade que seja algo estranho ao direito penal a utilização de respostas pecuniárias a supostos delitos. As penas de multa, previstas largamente, as penas de prestação pecuniária e perda de bens e valores, introduzidas pela Lei das Penas Alternativas em 1998, a transação penal e a composição cível dos danos entre as partes envolvidas no conflito, que a partir da criação dos juizados especiais criminais, em 1995, têm o condão de afastar a persecução penal, são exemplos recentes e ilustrativos de que o direito penal vem caminhando, cada vez mais, para a aceitação de medidas compensatórias de cunho patrimonial.

Ademais, tem-se não raro que estas sanções, patrimoniais, se por um lado não assumem uma feição demasiadamente aflitiva perante o réu, cumprem importante papel no sentido de inserir a vítima como beneficiária do sistema penal e de efetivar verdadeira proteção ao bem jurídico anteriormente violado. É que, notadamente em delitos patrimoniais, econômicos e, in casu, contra a ordem tributária, a restituição do status quo ante o pagamento revela-se mais benéfica para a proteção do lesado do que uma medida estritamente aflitiva destinada exclusivamente a cumprir uma suposta função intimidatória/preventiva que jamais se cumpriu na realidade de sistemas penais marcados por um projeto de criminalização tão amplo quanto inviável, e necessariamente ineficaz.

 

 

 

Não é verdade que seja algo estranho ao direito penal a utilização de respostas pecuniárias a supostos delitos

 

 

Nesta linha, o argumento da violação ao princípio da isonomia jamais poderia funcionar como um desestimulante à extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo, senão como um incentivo à extensão dos efeitos despenalizadores à restituição do status quo ante efetivada, por exemplo, através da devolução da televisão furtada.

Com pesar, nos tempos atuais, marcados pela insegurança, é freqüente a crença em uma função educativa ou intimidatória do direito, notadamente do direito penal. No entanto, o suposto efeito preventivo nunca foi constatado com dados estatísticos. Nem poderia: apenas cerca de 2% a 3% dos crimes praticados chagam ao simples conhecimento das agências de persecução criminal (Hulsman, Luck. "Penas Perdidas"). A cifra oculta - os delitos não computados - é vultosa. Neste sentido, o direito penal apenas desenvolve flagrante papel de simular a presença de um Estado ausente. Não restam dúvidas de que as presas do sistema penal não passam de bodes expiatórios pinçados. Ao invés de atribuir ao direito uma suposta função educativa, jamais cumprida porque sediada de fato na família e nos estabelecimentos de ensino, importa compreender a sua estreita vinculação com as lesões aos bens jurídicos interpessoais e buscar a melhor maneira de garanti-los.

Nesta linha, não parece que pôr fim a um incentivo ao pagamento do tributo seja a melhor maneira de garantir a arrecadação tributária. Em verdade, diante dos caminhos históricos trilhados pelos poderes Legislativo e Judiciário nacionais, já aludidos em manifestação anterior, tem-se que, no panorama atual, desponta uma tendência a prestigiar e estender as repercussões graciosas e incentivadoras do pagamento do tributo, ainda que em detrimento da aplicação de medidas criminais aflitivas. Deste modo, tendo em conta também as questões valorativas expostas, a sinalização pela provável permanência da compreensão normativa do pagamento como causa extintiva da punibilidade nos delitos contra a ordem tributária emerge como uma confortante conclusão.

 Fonte: Valor On Line