A recuperação judicial das empresas
Lei ajudou na preservação da produção, dos empregos, na capacidade de contribuição fiscal e na liquidação de passivos
Sancionada em fevereiro de 2.005, a lei que trata da recuperação judicial das empresas e da falência acaba de completar dois anos - sua vigência iniciou-se em junho daquele ano. Isso é motivo para comemorações? Sim, e por várias razões. O balanço deste período revela inúmeras vantagens sobre a estrutura anterior. Ao partir de uma nova óptica, a nova lei deu força às empresas no que se refere à preservação de sua estrutura produtiva, à manutenção dos empregos, à capacidade de contribuição fiscal e, efetivamente, à liquidação dos passivos das atividades no mercado.
Como era a legislação anterior? Ela previa duas situações distintas: a falência e a concordata. Quanto à primeira, não houve modificação de porte. Funciona da mesma forma: sempre que o passivo da empresa ou o do empresário for superior à sua capacidade de pagamento, liquida-se a operação. A partir daí, arrecada-se tudo o que houver de valor positivo e distribui-se o montante obtido entre os credores, na proporção do seu crédito. Alguns receberão na frente, dada a natureza e origem do crédito, e outros terão direito ao rateio do saldo, quase sempre ínfimo ou inexistente. A concordata tratava de desajustes episódicos, como um problema de caixa decorrente de algum fator imprevisível ou, se previsível, objeto de uma gestão falha. Previa a concessão de um prazo de dois anos para que o devedor, por sua conta e risco, superasse as dificuldades enfrentadas. Assim, ele tinha de pagar 40% das dívidas no primeiro ano, e os demais 60% ao final do segundo. Com a situação financeira regularizada, o concordatário poderia prosseguir as atividades. Era, assim, uma situação imposta aos credores, em que bastava ao devedor requerer a concordata.
Mas esta instituição carregava em seu bojo um problema intrínseco. Quem havia permitido o surgimento do problema, quer por não antecipar as mudanças do mercado, quer por incapacidade de gerir bem os negócios, dificilmente iria encontrar, com a concordata, condições e forças para dar uma guinada. Nessas condições, como, de repente, ele iria tornar-se um bom gestor e produzir o suficiente para pagar o débito passado e, ainda, garantir o desenvolvimento futuro?
Com a nova lei, as coisas mudam radicalmente. Não se busca mais preservar o interesse do empresário devedor. Quer-se, isto sim, garantir a sobrevivência das entidades sociais que compõem a empresa, envolvendo inúmeras outras pessoas que também merecem proteção, e que agora encontram suporte para tanto. O instituto da reestruturação judicial agora promove a participação obrigatória de todos os envolvidos no processo. Incluem-se aí todos os credores, como bancos, empregados e ex-empregados que ainda fazem jus a direitos, prestadores de serviços, acionistas (ou quotistas), além dos próprios interesses do Estado.
O mecanismo é simples e inteligente: ao requerer sua reorganização, a empresa apresenta aos credores um Plano de Reestruturação. Este documento deve contemplar a utilização de todos os instrumentos comerciais, financeiros ou econômicos lícitos, visando revitalizar a atividade da empresa. O plano tem também de demonstrar ser viável operacionalmente, e que as dificuldades enfrentadas são apenas momentâneas. Pode conter fontes variadas para o pagamento dos credores: dinheiro retirado do fluxo de caixa, venda de ativos, admissão de sócios com novo capital, ou até mesmo o pagamento em dação das ações ou quotas da empresa. A meta é buscar a rápida diminuição dos valores exigíveis e a liberação de recursos para serem dirigidos ao negócio principal das atividades da empresa. Além disso, deve analisar as causas da dificuldade enfrentada e prever mecanismos para a sua superação.
Esse projeto amplo será então apresentado e debatido em uma Assembléia de Credores, que poderá aprovar ou rejeitar o projeto ou, ainda, sugerir uma nova alternativa para solução das questões. Não há limite às propostas: é aceito sugerir a mudança de estratégia, a modificação do formato do negócio e até mesmo a substituição da gerência.
Para viabilizar a recuperação, a lei criou dois instrumentos de suporte e facilitação. O primeiro é a possibilidade de venda de unidades isoladas da empresa, sem sucessão fiscal ou trabalhista para o adquirente. A vantagem é clara: compra-se parte da empresa que gera recursos de imediato, sem que o adquirente possa vir a ser tomado como sucessor a qualquer título. Foi o que aconteceu no caso da Varig, em que parte da empresa foi à venda à Gol. O segundo instrumento permite às concedentes obter crédito no período da reestruturação e o privilégio no recebimento dos valores, em caso de transformação em falência. Isso facilita a manutenção de linhas de financiamento, tornando viável a reestruturação.
O que se pode concluir, então? Certamente a nova lei trouxe novos instrumentos que permitem adequar o salvamento da empresa em novos tempos. Os empregados continuam empregados. Os credores recebem. A unidade produtiva continua a produzir. Portanto, esta é uma boa lei. A sua prática, ao longo dos anos futuros, vai demonstrar o quanto se avançou.
Fonte: DCI - SP