A responsabilidade nos contratos
Os principais obstáculos enfrentados por aqueles que iniciam um negócio no Brasil são os elevados custos, a escassez de fontes de financiamento e os excessivos riscos econômicos. Em outras palavras, empreender no Brasil é caro e arriscado, principalmente se a empresa está focada em inovação ou tecnologia. Uma das formas de diminuir os riscos e os custos do empreendimento é estabelecer, contratualmente, limites de responsabilidade para as empresas e indivíduos envolvidos no negócio.
A validade e o alcance da limitação de responsabilidade nos contratos são temas bastante controversos. Nos dias atuais, a promulgação de mais e mais leis restringindo ou proibindo a limitação de responsabilidade e o entendimento dos tribunais de que, dependendo das circunstâncias e de como foi pactuada, a limitação de responsabilidade é nula ou tem alcance limitado, tornam a questão cada vez mais delicada.
Quando se fala em limitar a responsabilidade, o que se pretende é limitar a obrigação de indenizar as perdas e danos decorrentes do descumprimento de obrigações assumidas. A expressão "limitação de responsabilidade" é, portanto, imprecisa, uma vez que se está a limitar não a responsabilidade em si, mas a obrigação, decorrente dessa responsabilidade, de reparar os danos causados à outra parte ou a terceiros. O que se limita é a obrigação de indenizar em caso de descumprimento de obrigação.
A regra geral é que, se uma das partes descumprir suas obrigações, caberá à outra parte o direito de cobrar o cumprimento da obrigação ou de exigir indenização pelas perdas e danos resultantes do descumprimento. A indenização a que a parte prejudicada terá direito na hipótese de descumprimento de obrigação inclui não apenas os danos emergentes (o que efetivamente se perdeu), mas também os lucros cessantes (o que se deixou de lucrar). Tal indenização não inclui danos indiretos, potenciais ou hipotéticos. Não se pretende que a parte prejudicada seja indenizada por aquilo que perdeu indiretamente ou pelo que potencialmente poderia ter ganho, mas apenas pelo que efetivamente perdeu ou deixou de lucrar direta e imediatamente em função do descumprimento da obrigação.
A limitação contratual da obrigação de indenizar é o ajuste, por meio de contrato, pelo qual uma ou mais partes limitam sua obrigação de reparar os danos causados por um eventual descumprimento de suas obrigações contratuais. Tal limitação justifica-se comercial e juridicamente, seja em função da possibilidade de vultosas perdas e danos que o objeto do contrato, por sua própria natureza, pode ocasionar - como, por exemplo, produtos e serviços de informática, internet, telecomunicações e tecnologia -, seja em função dos custos necessários para minimizar o risco de tais perdas e danos - tendo como exemplo o seguro. Trata-se, na verdade, de uma fórmula para viabilizar ou facilitar certos negócios e empreendimentos que, de outra forma, poderiam não se realizar face aos riscos insuportáveis e/ou custos inviáveis para uma ou mais das partes envolvidas.
Não há, no Código Civil, qualquer artigo que reconheça expressamente a validade da pactuação de cláusulas de limitação da obrigação de indenizar em função do descumprimento de obrigação. O Código Civil, porém, não as proíbe. Pelo contrário, há no Código Civil mais de uma hipótese em que se admite a convenção de institutos similares, tais como a estipulação de cláusula penal (em função da qual as partes prefixam o valor da indenização por perdas e danos) e a pactuação de arras (em função da qual as partes antecipadamente estipulam a indenização por desistência do negócio).
Sendo admitidos estes institutos, não há como negar legitimidade à pactuação de limites à obrigação de indenizar. Desta forma, em que pese a controvérsia acerca de seu alcance, as cláusulas de limitação da obrigação de indenizar são válidas, desde que estejam presentes os requisitos de validade do negócio jurídico. Baseia este entendimento o princípio da autonomia da vontade, por força do qual, desde que o objeto do negócio seja lícito e as partes sejam capazes, pode-se contratar livremente.
Quanto ao alcance das cláusulas de limitação da obrigação de indenizar, o primeiro aspecto a ser analisado é o tipo de limite que se pode impor à obrigação de indenizar. Mais precisamente, se é permitido apenas a imposição de limite ao valor total das perdas e danos ou se é aceitável também a limitação ou exclusão de determinados tipos de perdas e danos. Tem-se considerado válidos não apenas o limite do valor total das perdas e danos como também o ajuste de não indenizar determinadas perdas e danos, como, por exemplo, os lucros cessantes. Válida também é a limitação da obrigação de indenizar em ambos os níveis - excluindo determinadas perdas e danos e, ao mesmo tempo, estabelecendo um valor máximo para a obrigação de indenizar.
Mesmo admitindo, via de regra, a validade das cláusulas de limitação da obrigação de indenizar, nossos tribunais tem entendido que, em determinadas circunstâncias e dependendo do modo como são redigidas, as limitações podem implicar violação de legislação específica, normas de ordem pública e/ou princípios gerais do direito e, nestas hipóteses, são consideradas nulas.
Como mecanismo de redução de riscos e custos dos negócios e empreendimentos, as cláusulas de limitação da obrigação de indenizar são recomendáveis e devem se tornar cada vez mais comuns. No entanto, a inserção de tais cláusulas no contrato, sem o conhecimento profundo do negócio, sem a análise da legislação específica à qual o negócio está sujeito e sem o cuidado com o atendimento das formalidades exigidas para cada caso específico, pode implicar a nulidade das limitações acordadas e, conseqüentemente, mais responsabilidade, riscos e custos para empresas e indivíduos envolvidos. Por esta razão, é de fundamental importância ajustar, para cada tipo de atividade, negócio ou transação, o alcance ideal e a forma adequada das cláusulas de limitação da obrigação de indenizar.
Fonte: Valor Econômico