Mutirão para salvar a CPMF
Seguindo roteiro traçado no Palácio do Planalto, o lançamento do chamado PAC da Saúde serviu ontem de palco para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, governadores e parlamentares pressionarem o Senado a aprovar a proposta de emenda constitucional (PEC) que prorroga até 2011 a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O programa prevê investimentos de R$ 89 bilhões na área da saúde nos próximos quatro anos.
Do total, R$ 24 bilhões só sairão do papel se o imposto do cheque for renovado, como fizeram questão de ressaltar as seis autoridades que discursaram na solenidade. ?Os governadores deveriam fazer uma reflexão com os senadores, que afinal representam as unidades da Federação, sobre o que representa para cada estado a não-aprovação da CPMF?, disse Lula. Estudo do Ministério da Fazenda revela que São Paulo, por exemplo, recebeu R$ 3,7 bilhões originários da CPMF de janeiro a setembro.
Terá de lidar com tal rombo em 2008 caso a contribuição seja extinta. Segundo o documento, a União deixará de repassar à Região Sudeste, nos próximos quatro anos, outros R$ 11 bilhões se a CPMF não for prorrogada. ?Duvido que tenha um senador que, em sã consciência, acredite que o Brasil possa prescindir da CPMF. Espero que os senadores tenham juízo?, acrescentou o presidente. No próximo ano, o tributo renderá R$ 40 bilhões à União.
Como em ocasiões anteriores, o presidente deixou claro que tentará debitar na conta da oposição eventuais prejuízos nos programas sociais e no serviço prestado à população. E lembrou que punirá o setor produtivo se o tributo for extinto, revendo os termos da política industrial que será anunciada em breve, a qual prevê desoneração tributária de R$ 5 bilhões. Dos 27 governadores do país, 20 estavam presentes e apoiaram o presidente (leia mais na página 4).
Apesar de defenderem a CPMF, os tucanos José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) não compareceram ao Planalto. Já seus colegas de partido Cássio
Cunha Lima (PB), Yeda Crusius (RS) e Teotônio Vilela Filho (AL) não só engrossaram a platéia como saíram a campo à tarde em busca de votos para o governo. ?A disputa política, que é legítima, será valorizada quando nós, homens públicos, usarmos a disputa para aquilo que interessa ao país. É preciso menos cabo-de-guerra e mais bom senso?, disse o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).
Diálogo
Discurso caro aos aliados do presidente reza que a oposição luta contra a CPMF em tentativa de prejudicar Lula e reduzir sua popularidade. ?Vamos dar uma prova de que a classe política soube se aproximar da população desassistida. Precisamos dar uma ajuda para esse plano. Vamos trabalhar no diálogo com o Senado e aprovar a CPMF?, pregou Campos. Já o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), reforçou que a conta da reprovação da contribuição será paga por estados, prefeituras e a parcela da população atendida pelo serviço público de saúde.
Em coro com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, Cabral declarou ainda que o Brasil ficará mais distante do chamado investment grade ? status conferido ao país considerado ideal para receber investimentos ? se a contribuição for extinta. ?Vamos pensar no dia seguinte. Com que cara estaremos diante daqueles que precisam dos hospitais públicos e dos investidores? Tenho certeza de que o Senado, com sua estatura e história, deixará de lado o palanque eleitoral. Aprovar a CPMF é dar a vitória ao povo brasileiro?, afirmou Cabral.
Os presidentes da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e interino do Senado, Tião Viana (PT-AC), trilharam o mesmo caminho. ?A Câmara aprovou a regulamentação da Emenda da Saúde. Foi uma demonstração inequívoca de que o Congresso se une em nome de causas nobres. E não há causa mais nobre do que a saúde do povo brasileiro?, disse Chinaglia.
Personagem da notícia
Jatene e os ?amigos do rei?
Nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nem o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. A grande estrela da cerimônia no Palácio do Planalto foi o médico e ex-ministro no governo Collor, Adib Jatene. Criador e defensor ferrenho da CPMF, Jatene foi alçado à condição de herói do governo depois de passar um pito, em jantar no mês passado, no presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, que comanda a resistência ao imposto do cheque na iniciativa privada.
Em discurso aplaudido de pé pelas autoridades, Jatene defendeu ontem a tese segundo a qual o combate à contribuição interessa aos sonegadores. ?O governo fica na contingência de arrecadar muito de quem ganha pouco e de arrecadar pouco de quem ganha muito?, declarou o ex-ministro. Segundo dados do Ministério da Fazenda, as empresas e as pessoas físicas com renda anual acima de R$ 100 mil são responsáveis, respectivamente, por 72% e 17% da arrecadação da CPMF.
?Os amigos do rei nunca pagaram. Têm de pagar?, acrescentou. Afagado nos discursos de Lula e de Tião Viana, Jatene afirmou que a CPMF e o PAC da Saúde são essenciais para acabar com o problema de subfinanciamento do setor. ?Nós sabemos, presidente, o que é perder recursos.? Cardiologista renomado, lembrou ainda que, até a década de 1960, os hospitais públicos tinham mais e melhores equipamentos do que os privados.
Hoje, a situação é inversa, porque o orçamento público da saúde é de cerca de R$ 300 per capita. Já no sistema particular corresponde a pouco mais de R$ 2.000 por cliente. Para explicar o motivo da mudança, Jatene contou com uma conversa que teve com Pedro Malan, então ministro da Fazenda. Na ocasião, teria dito que há uma grande diferença entre as áreas econômica e da saúde.
?A Fazenda vai à Fiesp, fica perto da riqueza, não vai à periferia. O pessoal da saúde lida com a pobreza e não aceita as limitações que a área econômica impõe?, declarou. O discurso foi concluído com um voto de confiança e um aviso de que o governo será cobrado. ?O PAC da Saúde só não vai acontecer se não deixarmos acontecer. Desejo que tudo que foi exposto se transforme em realidade.? (DP)
Metamorfose ambulante
O presidente Lula fez ontem mais um mea-culpa. Comandando a campanha deflagrada para garantir a prorrogação da CPMF, reconheceu que errou ao lutar contra a contribuição quando o PT era o principal partido de oposição. Lula recorreu a duas armas que costuma sacar quando confrontado com bravatas do passado. Uma delas foi render homenagem ao clássico de Raul Seixas: Metamorfose Ambulante. A outra foi afirmar que só a condição de governo dá ao político a consciência da dificuldade para executar projetos.
?Há muito tempo digo que prefiro ser considerado uma metamorfose ambulante. Eu não tenho a dureza do manifesto de um partido comunista ortodoxo, em que tudo está escrito. Tem muita coisa para ser escrita ainda?, declarou. ?Precisei chegar à Presidência para perceber que é muito mais fácil ser oposição do que governo. Quando você chega ao governo, você não acha, não pensa, não acredita. Você faz ou não faz. Está cheio de gente aqui que foi oposição até ontem, e eles já estão percebendo quantas críticas injustas fiz. A gente vai aprendendo com o tempo.? (DP)
Fonte: Correio Braziliense