Alívio na inflação
Após três meses seguidos de alta, o que reacendeu a preocupação do Banco Central (BC) quanto a um eventual descontrole, a inflação recuou no primeiro mês do ano. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, fechou janeiro em 0,54%, diminuindo em relação ao resultado de 0,74% de dezembro de 2007. Analistas ouvidos pelo Correio afirmam que é cedo para saber se a queda no preço dos alimentos veio para ficar, mas garantem que a situação está sob controle e não há nenhuma necessidade de uma nova elevação dos juros pelo BC.
Calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA de janeiro ficou abaixo da projeção dos analistas ouvidos pelo BC, que era de 0,60%. ?O resultado foi positivo porque havia aumentado a probabilidade de o BC ter de elevar os juros. Agora, não há mais justificativa para isso. O BC ganhou tempo, pois a inflação está em torno da meta?, afirma o economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles. No período acumulado em 12 meses, o IPCA ficou em 4,56%, ultrapassando pela primeira vez desde abril de 2006 a meta de 4,5%, com intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para cima e para baixo.
A coordenadora de índices de preços do IBGE, Eulina Nunes, prefere a cautela: ?Ainda é cedo para concluir que há uma tendência generalizada de desaceleração nos preços dos alimentos.? O grupo variou 1,52%, recuando em relação aos 2,06% de dezembro e respondendo por metade da contração no IPCA. Segundo Eulina, porém, a desaceleração se concentrou nos preços da carne e do feijão. A carne passou de um aumento de 8,20% em dezembro para apenas 0,29%, puxando para baixo a carne seca (8,99% para 0,13%) e o frango (5,01% para 1,43%). O feijão, que tinha aumentado 32% em dezembro, subiu 14,02% em janeiro.
?Os preços continuam muito altos. A carne e o feijão recuaram, mas outros itens do grupo alimentos continuam aumentando e pressionando a inflação?, afirma Eulina. Segundo ela, os problemas climáticos que comprometeram a produção de feijão em 2007 ainda estão presentes, diferentemente do que disse nesta semana o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Segundo ele, a inflação está ?totalmente? sob controle e os preços dos alimentos já estão arrefecendo, com a recuperação da produção nacional de grãos, depois do choque de oferta no final do ano passado.
Para a economista Marcela Prada, da consultoria Tendências, os preços dos alimentos vão continuar subindo neste ano, mas num ritmo bem menor. Em 2007, o grupo aumentou 10,77% e a estimativa da analista é de 5% em 2008. Outro item que preocupava era o grupo serviços, que subiu nos últimos dois meses do ano passado, dando indícios de inflação de demanda. O indicador acumulado em 12 meses para esse grupo estava em 4,70% em outubro, subiu até 5,19% em dezembro, recuando agora para 5,13%. Segundo Marcela, a retração no ritmo de crescimento do preço de serviços é uma ótima notícia.
?Em geral, a inflação ainda está alta porque carrega a inércia do ano passado, mas não existe nada que ameace o cumprimento da meta. Por enquanto, não há nenhuma necessidade de aumentos de juros?, afirma. Na interpretação da economista, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC deixou a entender que aumentaria os juros apenas se a inflação se deteriorasse, o que não estaria ocorrendo. A Tendências aposta na manutenção da taxa básica (Selic) nos atuais 11,25% até setembro, com dois cortes sucessivos de 0,25 ponto percentual, o que a reduziria para 10,75% no final do ano.
Para Elson Teles, os próximos movimentos da política monetária ainda são uma incógnita. ?O BC deve manter os juros na próxima reunião e aguardar novos indicadores antes de pensar em aumentar a taxa?, diz. A decisão dependeria do comportamento dos preços dos alimentos, sobre o qual ainda há incertezas. ?Ainda é cedo para dizer se a tendência de queda no grupo alimentos se manterá para o resto do ano. A alta não deve repetir a de 2007, mas os reajustes também devem marcar este ano?, prevê a economista Maria Andréia Parente, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A inversão da trajetória de alta do IPCA verificada em janeiro foi garantida ainda pela queda nos preços dos combustíveis. O resultado passou de 1,58% positivo para uma deflação de 0,33% de um mês para outro. O litro do álcool, que havia aumentado 9,35% em dezembro, caiu 1,12% em janeiro, influenciando o resultado da gasolina, cuja variação passou de 1,03% para 0,38% negativo. Segundo Eulina Nunes, mais uma vez, não há muito o que celebrar. ?Os preços de combustíveis caíram, mas estamos na entressafra do álcool, o que torna difícil a continuidade dessa queda. Não há motivos para que o álcool continue caindo?, afirma.
Apesar da desaceleração, os reajustes nos alimentos ainda se mantêm acima da média, o que explica a inflação estar pesando mais no bolso dos mais pobres. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que diz respeito às famílias com rendimento até seis salários mínimos, subiu acima do IPCA. Em janeiro, o INPC ficou em 0,69%, abaixo da variação de dezembro (0,97%). Os produtos alimentícios que compõem o INPC subiram 1,67% em janeiro, enquanto os não-alimentícios aumentaram 0,32%. ?Nos últimos meses, as famílias de baixa renda têm sido influenciadas pelos aumentos dos alimentos porque proporcionalmente gastam mais com esses itens?, explica Eulina.
Bolsa reage com alta A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) fechou em alta de 1,27% ontem, impulsionada por dois motivos. Na área interna, a desaceleração do IPCA diminui a probabilidade de um aumento dos juros e, conseqüentemente, favorece o crescimento econômico. Do exterior veio a principal razão da alta de ontem: o consumo nos Estados Unidos subiu e reduziu o temor de recessão no país, provocando alta de 1,45% na Bolsa de Nova York. O Departamento de Comércio norte-americano anunciou que as vendas no varejo subiram 0,3% em janeiro, ficando acima do esperado. Analistas estimavam uma retração de 0,3%. O governo americano também divulgou levantamento mostrando que os estoques das empresas varejistas nos EUA aumentaram 0,6% em dezembro, quase em linha com as previsões, que eram de alta de 0,5%. |
Regime de metas surgiu em 1999 O regime de metas de inflação foi adotado no país em 1999, depois que o real sofreu o ataque especulativo que forçou a mudança dos parâmetros básicos da política econômica, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. A nova política, sustentada no tripé formado pelo regime de metas, o câmbio flutuante e o ajuste fiscal, rearrumou os indicadores macroeconômicos, permitindo a retomada do crescimento a uma taxa mais forte nos últimos anos. O sistema de metas consiste na definição pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) de um intervalo no qual a inflação deve ficar no ano. O atual centro do objetivo é 4,5%, com intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. Ou seja, se o IPCA ficar entre 2,5% e 6,5%, a meta terá sido cumprida. O Banco Central (BC) é o guardião do regime e usa os instrumentos de política monetária, em especial a taxa básica de juros (Selic), para se assegurar de que os preços se manterão sob controle. Uma economia muito aquecida pode reacender a inflação. Nesse caso, o Comitê de Política Monetária (Copom), formado pelos diretores do BC, aumenta a Selic para conter o nível de atividade e, em conseqüência, os preços. Se há a necessidade de dinamizar a economia, criando empregos e elevando os investimentos, o Copom reduz a Selic. Desde 1999, a meta foi descumprida em três anos. Nesses casos, o presidente do BC tem que explicar os motivos e dizer o que está fazendo para fazer a inflação baixar. |