Pertinho do aumento
A inflação de março medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu 0,48%, endossando os argumentos do Banco Central para o aumento da taxa básica de juros (Selic) na próxima semana. O resultado ? o maior para meses de março desde 2005 ? ficou acima de todas as previsões do mercado, que variavam entre 0,31% e 0,40%. Apenas no primeiro trimestre, o IPCA acumulou alta de 1,52%, comprometendo um terço do centro da meta de 4,5% definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para o ano. Nos 12 meses terminados em março, o índice bateu em 4,73%, distanciando-se ainda mais da meta.
Por conta desses números, desfez-se o consenso entre os especialistas de elevação de apenas 0,25 ponto percentual na Selic. Os contratos futuros de juros com vencimento em maio passaram a indicar ontem 86% de chance de a taxa básica subir 0,5 ponto, dos atuais 11,25% para 11,75%. ?Ninguém esperava um IPCA tão alto?, disse o economista-chefe da Corretora Convenção, Fernando Montero. ?Apesar de não ser alarmante, a inflação passou a inspirar cuidados e isso pode exigir um aumento mais forte dos juros?, acrescentou Elson Teles, economista-chefe da Concórdia Corretora.
A maior surpresa negativa veio do grupo alimentos e bebidas. ?Quando fechamos o IPCA de fevereiro, as indicações eram de que os alimentos dariam um refresco. Mas não foi o que aconteceu. Pelo contrário, os reajustes foram mais fortes?, destacou Irene Machado, gerente de Pesquisas de Preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo ela, esse grupo de produtos ficou, na média, 0,89% mais caro, respondendo, sozinho, por 40% do resultado total do IPCA. Em fevereiro, alimentos e bebidas haviam subido 0,60%. A disparada dos preços foi sustentada, principalmente, pela alta das commodities (grãos, especialmente) no mercado internacional.
Pelas contas de Irene, o óleo de soja teve, apenas em março, alta de 9,81%, elevando o reajuste acumulado nos primeiros três meses do ano para 25%. O pão francês, derivado do trigo, avançou 4,24% no mês passado e 6,20% no trimestre. As commodities estão supervalorizadas por dois motivos: o aumento do consumo, provocado pela entrada de milhões de chineses e indianos no mercado, e pelo uso de grãos na produção de biocombustíveis. No caso do trigo, houve ainda um agravante: a suspensão temporária da produção argentina.
Mas mesmo produtos consumidos basicamente no mercado interno, como o feijão preto, não deram alívio. Esse grão encareceu 5,54% em março e 46% nos primeiros três meses do ano. O feijão preto vinha sendo uma alternativa ao tipo carioquinha, o mais consumido no país, cujo quilo bateu em R$ 10 no final do ano passado, em decorrência da estiagem que prejudicou o plantio. ?Infelizmente, não vemos sinais de que os preços dos alimentos subirão menos nos próximos meses?, disse a técnica do IBGE.
Alta disseminada
Os dados do IBGE mostraram ainda que os reajustes dos alimentos vieram acompanhados de aumentos inesperados, como os da energia elétrica, cujas tarifas foram acrescidas de mais impostos, com o PIS e a Cofins. Isso aconteceu, sobretudo, em Brasília, onde as contas ficaram 3,6% mais caras, em São Paulo (+2,72%) e em Porto Alegre (+1,17%). Na média do país, o aumento da tarifa de energia alcançou 1,4%. Também pesaram mais no orçamento das famílias as contas de água e esgoto, com reajuste médio de 1,43%, reflexo das correções das tarifas em Brasília (+5,9%) e em Belo Horizonte (+7,28%).
Os brasileiros foram ainda surpreendidos com a elevação de 0,75% nos artigos de vestuário, devido à entrada da coleção outono-inverno e ao fim das liquidações, e passaram a pagar mais 0,76% pelo litro da gasolina e 1,73% pelo álcool combustível. ?Enfim, os aumentos de preços foram maiores e mais disseminados. Por isso, não há mais dúvidas de que o Copom (Comitê de Política Monetária) aumentará os juros na semana que vem?, frisou o gerente de Renda Fixa do Banco Prosper, Carlos Cintra. Para ele, é possível que a Selic suba dois pontos percentuais até o final do ano, chegando a 13,25%.
Memória BC tem acertado Apesar das críticas de empresários e de boa parte do governo à decisão do Banco Central de aumentar a taxa básica de juros (Selic) para manter a inflação dentro das metas, os últimos movimentos de aperto na política monetária se mostraram bastante acertados. Que o diga o presidente Lula. Em 2004, ano de forte crescimento econômico, a inflação deu sinais de querer fugir do controle, obrigando, em setembro, o BC a elevar a Selic. A chiadeira foi enorme. Um ano depois, os juros começaram a cair. E a economia não só recuperou o fôlego, como a inflação passou a rodar em torno dos 3%. Os efeitos foram tão positivos no orçamento das famílias que, mesmo com o governo atolado em denúncias de corrupção, Lula foi reeleito em 2006. No Palácio do Planalto, diz-se que é com base nesse histórico que o presidente da República declarou apoio ao BC na nova etapa de alta da Selic. Lula espera que, em 2009, com preços novamente sob controle, os juros recuem, a economia avance e, em 2010, ela ajude a fazer seu sucessor. (VN) |
Inflação negativa no DF
Se a maioria dos brasileiros sentiu o baque do aumento da inflação em março, os moradores de Brasília não tiveram do que reclamar. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços ao Consumido Amplo (IPCA) medido na capital federal registrou, no período, deflação de 0,22%, graças, principalmente, à queda de 6,9% nos preços dos combustíveis, devido à guerra declarada entre os postos. Os combustíveis, explicou Irene Machado, gerente de Pesquisa de Preços do IBGE, pesam 7,34 pontos percentuais no cálculo da inflação de Brasília, participação superior à das demais regiões pesquisadas pelo instituto. ?Esse peso é tão significativo que os combustíveis praticamente anularam reajustes importantes registrados na capital do país, como os da conta de luz (+3,61%) e os das tarifas de água e esgoto (+1,43%)?, afirmou. O peso da energia elétrica no IPCA brasiliense é de 2,14 pontos e o de água e esgoto, de 2,35 pontos. Com a deflação de março, o IPCA de Brasília acumulou alta de apenas 0,87%, pouco mais da metade do 1,52% registrado no país. Isso, mesmo com todo o reajuste dos alimentos. ?Brasília tem uma característica diferente do Brasil. Os moradores da cidade comprometem um percentual menor do orçamento mensal com a compra de comida?, destacou Irene. Pobres sofrem O impacto da alta dos alimentos é muito mais visível quando se olha para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação das famílias com rendimento mensal de até seis salários mínimos (R$ 2.490). O indicador registrou variação de 0,51% em março ante o 0,48% de fevereiro. Nos últimos 12 meses, o INPC ? usado pela maioria das categorias profissionais nas negociações de salário ? acumulou elevação de 5,50%. (VN)
Irene Machado, gerente de Pesquisa de Preços do IBGE |