Uma tacada forte
O Banco Central mostrou que não serão críticas de integrantes do governo ou do setor privado que vão intimidá-lo no combate à inflação. Contrariando a maior parte das expectativas, inclusive do mercado financeiro (que apostava em alta de 0,25 ponto percentual), o Comitê de Política (Copom) elevou em 0,50 ponto, de 11,25% para 11,75% ao ano, a taxa básica de juros (Selic). Foi a primeira alta desde maio de 2005 ? exatos 35 meses. O BC surpreendeu, inclusive, nas justificativas para tamanho aperto. Em vez dos tradicionais comunicados de duas linhas anunciando a decisão, fez questão de dar sinais do que está por vir: novos aumentos de 0,50 ponto, até que as expectativas inflacionárias ancorem novamente no centro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,5%. Nesta semana, pela primeira vez no ano, as projeções dos cem analistas ouvidos pelos BC superaram a meta, atingindo 4,66%.
O BC, que ameaçava aumentar os juros desde janeiro, foi enfático: ?O Comitê entende que a decisão de realizar, de imediato, parte relevante do movimento da taxa básica de juros irá contribuir para a diminuição tempestiva do risco que se configura para o cenário inflacionário e, como conseqüência, para reduzir a magnitude do ajuste total a ser implementado?. Descontado o economês, o BC comunicou o seguinte: é melhor agir preventivamente e aumentar de forma mais significativa os juros agora, para que o total da alta seja menor, do que fazer um processo gradual, de elevações de 0,25 ponto, mas mais prolongado e custoso. Ao dar um choque na Selic, o BC quer desestimular as remarcações de preços. Os juros mais altos esfriam o consumo e encarecem os estoques da indústria e do comércio. Quem insistir nos reajustes terá de arcar com custos maiores.
Um dos poucos a apostar no aumento de 0,50 ponto da Selic, o economista João Philippe de Orleans e Bragança, da Paraty Investimento, acredita que serão quatro altas na mesma magnitude, totalizando dois pontos. Com isso, a Selic encerrará o ano em 13,25%. ?Foi a decisão mais acertada. E o melhor é que foi unânime. Tal unidade mostra que o temor no BC com a inflação é geral?, afirmou. Para ele, além de assinalar que não brinca com a inflação, o BC reforçou sua autonomia e credibilidade ao não ceder às pressões comandadas pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo.
Na opinião de Flávio Serrano, economista-chefe da Corretora López León, o BC amarrou as próximas decisões do Copom a novas altas nessa magnitude. A seu ver, haverá ligeiro recuo no crescimento econômico deste ano, para um patamar mais próximo de 4,5%, em vez dos 5% desejados pelo governo. Segundo Carlos Cintra, do Banco Prosper, o consumo esfriará porque o crédito ficará mais caro. Ele não crê, porém, em redução dos investimentos produtivos, pois ?o BC está garantindo o crescimento sustentado da economia?. Com a Selic em 11,75%, o Brasil manteve o título de campeão mundial de juros altos, com taxa real de 7,1%. A próxima reunião do Copom está marcada para 3 e 4 de junho.
Decisão surpreende Planalto
O anúncio da alta de 0,50 ponto percentual na taxa Selic ? movimento em sintonia com países emergentes que vêm sofrendo com o aquecimento do consumo e a alta da inflação ? pegou o presidente Lula de surpresa. ?Mesmo contrariados, todos no Palácio do Planalto já tinham absorvido uma subida de 0,25 ponto, como esperava a maior parte do mercado financeiro. Mas 0,50 ponto foi demais?, disse um auxiliar do presidente, logo depois do final da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). A opção de Lula, porém, foi por não criticar o Banco Central. Mas nos ministérios da Fazenda e do Planejamento, as queixas foram enormes. ?Um exagero desnecessário. Na nossa avaliação, não havia sequer motivo para a Selic subir, pois a maior parte da inflação decorre dos alimentos, que são imunes a juros?, assinalou um assessor de Mantega, que vê mais acirramento com o BC. As queixas também foram muitas entre o empresariado, que, desde a semana passada, vinha ameaçando o Copom de cortar investimentos se o aperto na política de juros se concretizasse. Segundo o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, que havia trocado farpas com o presidente do BC, Henrique Meirelles, a alta para 11,75% ao ano, foi um ?flagrante de mais uma ação preventiva da autoridade monetária para impedir o desempenho do atleta da economia brasileira no ranking mundial do crescimento?. Para Skaf, o BC não deveria temer a expansão do consumo, pois demanda gera investimentos, que gera produção, que gera crescimento. ?Esse é o círculo virtuoso que desejamos para o Brasil?, disse. No entender de Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio), a alta da Selic, que pode chegar a 13,25% no final do ano, ?condena o Brasil ao eterno vôo da galinha?. O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, assinalou que a política monetária, que deve ser reprovada, está sendo usada para combater ?suspiros inflacionários?, independentemente dos prejuízos para o estímulo aos investimentos, à produção, às exportações e à gestão da dívida pública ? cada ponto percentual de aumento da Selic representa elevação de 0,25 ponto percentual na relação entre o endividamento e o Produto Interno Bruto (PIB). ?A decisão do Copom de elevar a Selic é mais custosa do que benéfica para o país?, acrescentou o presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira. O principal temor dos empresários e do ministro da Fazenda é com o câmbio. Eles acreditam que os juros altos vão estimular a vinda de mais recursos estrangeiros para o país, empurrando as cotações do dólar ladeira abaixo, estimulando as importações e aumentando o rombo das contas externas. Essa preocupação é endossada pelo presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique. ?Juros altos beneficiam apenas o capital especulativo?, frisou. Na manhã de ontem, um grupo de estudantes secundaristas protestou contra a alta da Selic em frente à sede do BC. Eles jogaram ovos e tinta na porta principal do prédio e escreveram frases de efeito, como ?Fora Meirelles?. (VN) |